... Às vezes, tudo ao redor tem forma e fôrma, mas nós aparecemos deformados... Subjugados pelos reflexos do ambiente... A lente trêmula captou apenas um quase sorriso e alguns traços sem contornos definidos! Olhamos para ele e nos percebemos fora de nós... interinamente vazios do que somos... Amarelados na fugacidade do tempo! E, inda que apareçamos desfocados, permitimo-nos emoldurar numa tela enviesada em que se torna difícil reconhecer nossa verdadeira imagem. E é justamente no desfoque que está a essência do retrato. Não nos reconhecemos, porque, paradoxalmente, desconhecemos a condição "sina qua non" que o originou. E foi sobre isso que acordei pensando hoje. Contemplei meu retrato e não me percebi nele. Eu estava estranha de mim. Obscura na minha insensatez! Eu sorria de quê? Para quê? Peguei uma folha de papel e rabisquei:
Um papel em branco
Uma caneta preta
E eu, sem inspiração,
Tracei linhas amarelas...
As palavras ficaram vermelhas...
Eu queria que elas significassem apenas a minha emoção!
Pobre de mim... Nem lidar com as palavras sei.
Ou com as cores não sei!
Elas denunciaram apenas a minha ilusão!
As palavras me fizeram perceber a inexatidão do meu retrato. Ali, emoldurada, não era eu. Também não era meu aquele sorriso. Tudo estava sem graça! Mas, sem graça mesmo estava eu! Perdi meu humor... Mas ficara a ironia... A ironia do destino! Um clichê fora de moda... Afinal, "o destino somos nós que o criamos". O livre arbitrio... Metáforas jogadas pela janela! Eu apenas representando meu papel de artista... Pintando telas sem perspectivas... Sem linhas paralelas... Sem horizontes! Embalsamando jardins com cal virgem. Mumificando beija-flores no correr ágil do tempo...
... Hoje acordei sem desejo de mim. E aquele retrato, ali, à minha frente, convocando-me a refletir: Quem era eu e quem era aquela que estava ali emoldurada? Várias respostas intrometidas se fizeram presentes... Ganchos tentando me fisgar como se eu fosse peixe! Não permiti ser fisgada! Abdiquei-me de todas elas. Hoje não quero me comprometer... Permiti-me apenas pensar: "É mais fácil lidar com tintas do que com destino! Mais fácil lidar com palavras do que com gente!" Não é por acaso que sou poeta! Paradoxos, metáforas, pleonasmos e ironias... Essa é a arma do poeta. E é com ela que luto... "E lutar com palavras é a luta mais vã...", dissera o grande poeta Drummond. Portanto, deixo meu retrato inacabado... Não vou me pintar... Não vou me descrever! Quem quiser saber, realmente, quem sou, vai ter de aprender a lidar com palavras...
Para mim, hoje, e, para alguns, serei apenas esse retrato emoldurado numa tela enviesada... Isso não importa! A gente só consegue mesmo enxergar com os olhos que têm!
Amanhã, eu sei, meu olhar já terá um novo brilho! Sou poeta... E existe muita poesia solta por aí, esperando para ser escrita! "Minha história sou eu quem faz"!
Roziner Guimarães