sábado, 6 de agosto de 2011

Estranhamento...

                    
               Sinto-me estranha... Estranho o meu ser sincero e leal a seus valores... Esvazio minhas gavetas tantas vezes já remexidas e, nelas, o que encontro me faz perceber ainda mais este estranhamento. Minhas verdades se desfolham com o inverno. Minha história tem muito de mistério e parece que foi pintada pelo avesso... Mas, de repente, paro numa imagem e percebo que, ao pintá-la, eu tinha plena consciência desse meu abandono voluntário. Sempre fui mesmo meio eremita. A solidão eu desconhecia. Seduzia-me o silêncio e o majestoso estar só. Mas, agora, parece-me que estou fora de minha estrada. Meus pés me levam para onde? Que ausência de mim é esta? 

               Fui me espalhando por tantos cantos e, num canto qualquer, acabei me perdendo. Hoje estou tentando me encontrar... Por isso, talvez essa dor tão doída e já cansada de doer. Pinto, escrevo, leio, contemplo-me e não me vejo em nada do que tenho feito. Mas aí vem Clarisse Lispector e me avisa "...não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento." Deparo-me com a sensação de estar vivendo num mundo estranho, desconhecido... Como se eu fosse aqui uma alienígena. E acho mesmo que sou... Outros valores... Outras crenças... Filosofia tão vã!
    
               Algo não combina com minha pressa! E, paradoxalmente, minha alma pede calma... Uma calma que não encontro em mim. Estou tentando me ensinar a ter essa calma de que preciso. Mas, paulatinamente, meus olhos desmentem a tranquila intraquilidade dos meus dias! Quando posso, choro! Quando posso, ensaio novos passos... Tropeço em minha ingenuidade e caio direto na ansiedade dessa busca, mas nem sei o que buscar... Miragem! Sinto que estou indo embora... E essa viagem me apavora! Acho que estou em fase de germinar! Mas o adubo parece não ajudar a germinação... Estou tentando me descobrir, porque, ultimamente, tenho sido uma incógnata até mesmo para mim. Então, dê-me licença: estou em busca de mim! Ser efêmera me emociona, mas também me habilita para novas andanças!

Roziner Guimarães

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A poesia inacabada...

               
               No meio de um verso inacabado, encontrei uma rima solta e, com ela, passei a construir outra poesia. Li Fernando Pessoa. Drummond. Lispector. Quintana... Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto. Com cada um deles, fui me descobrindo e descobrindo um mundo totalmente colorido e cheio de pontos e pré-pontos. Nessa viagem, emaranhei-me em letras, pingos e pontos. Gostei das entrelinhas e me escondi no meio de uma delas. Lá fiquei uma eternidade. Quando resolvi sair, abri a página do meio e empurrei uma palavra que se encontrava solta bem no meio da página. Lutei com ela...
                Na interinidade da vida, entreguei meus desejos e me vi desejada e, quando pude, abri o baú, esquecido no canto do quarto, e tirei de lá uma saudade amarelada e cheia de culpa. No meio desse caminho, tinha um laço enlaçando minha vaidade... Ao tentar lhe dar um nó, tropecei numa vírgula colocada propositalmente entre um anacoluto e outro. Solucei! Mas solução não encontrei. Balbuciei palavrões... Borrões mancharam as páginas do livro que eu lia... Eram lágrimas fingindo ser chuva num dia de inverno.
             Esqueci-me de que eu era mestra na arte da sedução e me deixei levar pelos malabarismos semânticos de um tal substantivo que cruzou meu caminho num momento de silábica ilusão. Soletrei demoradamente meu desespero e, quando dei por mim, já estava, como traça, devorando outro livro... Buscava nova poesia. Rabisquei meus delírios... Guardei os nós na gaveta... Fingi ser analfabeta e fechei o livro. 
                Quando o abri novamente, suas páginas estavam pintadas de dourado e eu me vi desenhando nelas minha própria existência. Eu era criador e criatura. Minha história estava recomeçando e eu fazia questão de rescrevê-la num poema para que, quando eu quisesse visitá-la, pudesse encontrá-la nas rimas ricas criadas em estrofes ilimitadas... Eu tinha me cansado dos poemas em linhas retas. Os alexandrinos me davam náuseas. Nada de métrica. Nada de perfeição. Agora o poema exigia a liberdade de um haicai. Mas eu queria mesmo era uma poesia nua e crua na qual eu pudesse simplesmente ser eu a própria poesia.

Roziner Guimarães