terça-feira, 12 de outubro de 2010

Labirinto...

Caro Augusto,

Seu comentário me obriga a "sair de mim" e vir desenhar uma resposta que seja satisfatória sem ser mentirosa. Eu lhe devo isso, afinal você disse que quer se "embriagar" do/com meu texto. Isso muito me honra, mas, se meu texto exerce esse mimetismo com meus leitores, minha responsabilidade aumenta ao escrevê-lo, afinal o que todo escritor deseja é ser lido. Entretanto, vem-me a memória duas frases de Perissé. Diz ele, em "A arte da palavra": a) "a clareza do texto é um gesto de educação para com o leitor"; b) "escrever é fazer o strip-tease de si mesmo". Essas duas frases podem explicar, em parte, o meu sumiço involuntário. Um texto confuso, mal arrematado pode por tudo a perder: o leitor pode desaparecer. Mas, já que me perguntas o que está acontecendo comigo, não posso deixá-lo sem resposta. Até porque isso seria, no mínimo, deselegante de minha parte. Corro, pois, o risco de me jogar no papel... Mas saiba que não estou no melhor momento para um strip-tease textual. 

Se o fio de Ariadne conseguiu fazer com que Teseu voltasse são e salvo para Atenas e se casasse com ela, quem sabe, eu consiga também matar o minotauro e encontrar a saída deste labirinto e possa, nesta missiva, desenhar para você uma resposta e, ao mesmo tempo, resgatar alguns fios que deixei soltos... Espero, meu preocupado e já querido leitor, que compreenda a retórica, mesmo que ela venha recheada de pontos e pré-pontos e reticências várias. Vamos lá!

Uma dor surgida no vazio da vida me obrigou a observar os abismos... Uma chuva de meteoros me obrigou a buscar no infinito as estrelas... Um fio solto no passado me obrigou a remendar minha existência... Como não gosto de remendos, estou tentando construir novo tecido que possa cobrir minha nudez cheia de pudor e, assim, poder atravessar o labirinto... Novas nuances vão surgindo no colorido estranho que dei às minhas telas mentais. Os meus dezessete girassóis se estancaram num amarelo escuro e se rebelaram contra a solidão em que estão na tela. Agora pretendem ser pares. Pasme! E eu os pintei ímpares! Ser par num mundo ímpar é, no mínimo, pensei, ser desonesta comigo mesma... Eu que sempre vivi de forma singular, terei agora de ser plural? Esse é um dos anzóis que têm me fisgado... Peixe nadando na contramão da correnteza, dá nisto: confunde anzóis com suas dúvidas e, em busca de resposta, é fisgado! Mas, mesmo demonstrando ingenuidade nas intempéries que perturbam meu mundo, confesso que tenho lutado para ser um pouco mais esperta em relação não só aos anzóis que teimam em me fisgar, mas também em relação aos nós que tenho de desatar... Sozinha! 

Estou reinventando também uma nova linguagem que dê conta das inúmeras queixas que transitam afoitas pelo espaço que separa o meu "eu" do meu "outro eu". O meu avesso? Ou meu direito? Anverso ou reverso? Não sei! O que sei é que deixamos de ser "nós" para podermos continuar, mesmo que de forma obtusa, existindo nesse mundo suburbano de malícias e hipocrisias... Não concordamos com os "roubos" que ocorrem por ai todos os dias. E, inda assim, acabei sendo roubada de mim. Agora estou em busca desse meu outro "eu" que fugiu para o mundo da fantasia. Noutro dia, enviei-lhe uma missiva e ele me respondeu que continua na Terra do Peter Pan e que quer permanecer por lá. Se eu quisesse a companhia dele, que eu me segurasse nas asas do condor e ele me levaria até ele. Não quis! Estou deveras cansada da minha solidão e desse mundo de faz-de-conta... Entrar em outro para quê? Não quero mais voar... Talvez seja por isso que meus pés doem tanto! Estão tão presos ao chão duro que estão se transformando em pedra... Meus braços também doem muito, mas eu já sei que asas que não exercitam o vôo ficam paralíticas! E eu não consigo mais voar. Não quero! O sonho, descobri, é apenas uma quimera. Aqui se vivi de abandono! Abandono, pois, os sonhos... Abandono os vôos! Abandono aquela criança amada e mimada... Fico apenas com a memória do ontem registrada nas telas emolduradas por algumas saudades.

Entro de cara limpa, sem nenhuma maquiagem, nesta Terra, equivocadamente chamada de Terra do Poder. Eu sou da Terra do Ser. Mas, menina mimada e educada nessa Terra, preciso ainda aprender a abaixar a cabeça... A não pedir licença, porque nesta Terra quem pede licença, é considerado idiota, se faz parte da cúpula; se não faz parte, deve apenas obedecer sem nada dizer! Aqui se perdeu o direito à "palavra minha", como assinala Bakhtin. Aqui só vale a "palavra do outro"... Ninguém quer ouvir suas confissões, por mais que elas sejam doloridas. Ninguém quer saber o que lhe vai no coração... Aqui, nesta TP, os seres humanos nem sabem o que significa "coração"... A Lei é outra. Como outras são as exigências. É preciso aprender a dizer "sim" quando gostaríamos de dizer "não"... Abrir a boca para expressar uma opinião está fora de qualquer cogitação. A ordem do dia é: "Puxar saco para não puxar carroça!" E olha o absurdo de tudo isso: Alguém não faz muito tempo vivia me repitindo isso... E eu dei ouvidos??? Agora chegou o tempo da aprendizagem! Na marra! Amarrada no tronco! De bico calado!

Entro agora por um atalho. Recordo-me de que Constância me avisou de que, "se atalho fosse bom, não se construiam caminhos!"... Bobagem! É preciso atalhar para se chegar mais rápido ao destino coletivo. E o gado vai sendo tangido sem poder mugir. E eu vou atalhando aqui... Atalhando ali. A caminhada é longa... O caminho escuro... Caio aqui... Caio acolá, mas esperanças não me faltam. É isto: Nesta Terra, embora não seja a Terra do Ser, "a esperança é a última que morre".  

Em algumas coisas (não quero nomeá-las por agora) continuo ainda resistente... Resiliente! Deixo-me esticar como elástico em mãos de criança... Se não me arrebento, cumpro meu destino! Se me arrebento... Tinha de ser assim! (aceito o fatalismo). Aceitei o desafio e estou indo na direção em que o vento sopra... Às vezes, ele é tão forte que me sinto tonta e bato com a cara no chão... Levanto, cambaleando e, em ziguezague, continuo a caminhada. Noutras vezes, passivamente, deixo-me ser empurrada por ele... O que importa é "não perder a esperança".

Diante de todas essas curvas, curvei-me ao que escreveu Quintana: "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso". E aí fui levar minha vidinha de besta... Deixei de escrever, porque escrever é algo que vem da alma...

"Escrever requer tudo isso: obsessões e verdades, objetividade e subjetividade, memória e intuição, uma generosa bagagem de leituras e capacidade de pular no escuro, ou melhor, de pular no claro, sem diploma nem cartão de crédito. Escrever sem superficialidade, sem pretensão, sem arrogância ou falsa humildade, sem medo e sem temeridade, sem frescura. Com criatividade" (Perissé, 2007)

E eu estou numa outra, digamos, dimensão... Como escrever assim? Sem vontade para me jogar no papel? Sem forças para esta nova caminhada? Mas aí me chega você e me "rouba" o isolamento e me "cobra" uma resposta...

Não sei, Augusto, se este texto conseguirá embriagá-lo... Se não, que, pelo menos, você perceba a importância que tem as suas visitas neste blog. Espero que continue lendo meus textos. Obrigada! Volte quando quiser e puder!

Roziner Guimarães