segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quem entenderia?


                Há, vez ou outra, em cada encontro o desencontro... Em cada olhar, uma censura! Em cada amor, um trágico e atrevido solilóquio. Nem sempre conseguimos falar dos sentimentos... Quando muito balbuciamos silábicas confidências que, vez ou outra, são inaudiveis. E, aí, uma solidão atávica acaba avassalando os sonhos! E o que nos resta? A raiva por não conseguir expressar o que vai na alma... Ou até mesmo o remorso por dizer o que não era para ser dito. Magoamos! Ficamos magoados! E o amor se vai e ficamos enviesados em nós cegos tão difícieis de desatar. Adiantaria pedir perdão? Não! O outro não conseguiria enxergar o medo que se instalou em nós. E os nós vão-se tornando tão sérios e sistemáticos que acabamos mutilando o melhor que tínhamos em nós. Sonhos devassos... Desfeitos numa neblina escura... 

               Difícil nos fazer entender. A doença aparece e nos tornam indefesos. Quem entenderia uma repentina mialgia surgida no romper do tempo? Quem entenderia um terrível mal estar capaz de nos colocar nos braços da morte e, no instante seguinte, estar na maior euforia? Quem entenderia? É como se olhar no espelho sentir-se linda... Abaixar os olhos e se olhar novamente e se achar a bruxa malvada que enganou branca de neve na floresta. Coração dispara. A cabeça fica zonza. O corpo sente calafrios... Os braços adormecem... E tudo é tão real que presenciamos o prenúncio da morte. Alguém entenderia? Não, ninguém entenderia! Ninguém entende a mudança de humor... Ninguém entende o medo... O medo não, o pavor. O corpo entra em ebulição. E, como um vulcão, começa a sacudir  e as lavas queimando por dentro, jorram! Meu Deus, como explicar isso em palavras? Como dizer: "Socorro, estou morrendo!" Ninguém acredita. E ri. E debocha! Faz piada! Critica... 
               E o vulcão explode... E, se na natureza ele provoca um grande desastre, no corpo o desastre é ainda mais intenso. Magma, gases e partículas quentes (como cinzas) escapam para a superfície em forma de lágrimas, ejectando altas quantidades de poeira, gases e aerossóis que corroem as vísceras causando o resfriamento de quem está por perto. E aí o resultado já é conhecido: causa a poluição do amor. Todo sentimento gostoso cede lugar a um terrível mal estar e o outro vai embora magoado e chamuscado pela erupção involuntária.
                A quem fica restam as cinzas da sua síndrome não compreendida e não tratada. Mais nada!

Roziner Guimarães

Você prefere o buraco ou as alturas?



                Li, há uns quinze anos, um conto de um autor conterrâneo meu, Luiz Vilela, e me identifiquei de pronto com o personagem. Essa identificação talvez se tenha dado devido ao meu jeito já, naquela época, um tanto esquivo de ser. Já disse que nasci “Gauche”? Se não disse, digo: quando eu nasci um anjo torto, a exemplo de Drummond, também me disse: “Vai ser gauche na vida!” e eu fui. Nem questionei. Achei a palavra bonita e me adentrei nela. As palavras sempre mantiveram um fascínio em mim. Mas, naquela época, eu era analfabeta. Pensei que ser gauche era algo como ser único, totalmente singular. E isso fez a diferença em mim. A singularidade ganhou forma na palavra. Por meio dela, fui-me fazendo e me deixando fazer. Nem percebi a distância entre o fazer e o se deixar fazer. Aos poucos, fui-me esgueirando para o meu buraco e abandonando o convívio com a mediocridade, com a hipocrisia... Tornei-me inepta para o convívio com o outro. Calei. Calando, talvez eu conseguiria ouvir melhor a voz que, dentro de mim, gritava. Ledo engano. O grito era tão gutural que me impedia ouvi-lo, apesar de escutá-lo. E eu tentava... Tentava!

               Comecei a tatear caminhos. Eu os queria retos, mas as curvas me alcançavam e, por muitas vezes, derrapei-me nelas. Umas derrapagens complicadas que me fizeram perder o equilíbrio e bater com a cara no chão. Levantava, e de rosto lavado, voltava a caminhar. Lembrei-me de meu pai dizendo quando acontecia algo que o deixava envergonhado: “minha cara caiu no chão, catei ela toda suja de terra e a botei de novo no lugar”. Pois então: eu, com o sorriso amarelo, lavava a cara e me punha de novo em/de pé. Nem percebia que estava no mesmo caminho escorregadio e cheio de curvas. De novo, novas quedas. E, nesse cai e levanta, afinal me ensinaram a ser persistente, cheguei até aqui.

               Bakhtin me disse, há algum tempo, que “vivo no universo das palavras do outro”. É a necessidade do viver-com. Quem escreve, querendo ou não, vive com o outro. Entretanto, viver-com é diferente de conviver-com. E posso dizer sem medo que sempre escrevi sem convivência. Sempre vivi em mim... As urgências eram minhas. Não, do outro. E a dificuldade de/em com-viver com o outro foi ganhando uma dimensão superlativa. Embrenhei-me num mundo meu. Lá fora, o barulho consome minhas energias e me deixa sem audição para me ouvir. Esgueirava-me mais e mais para o meu refúgio nas palavras. Fiz delas minhas aliadas e confidentes. Por que eu necessitaria do outro se a palavra o substituía tão bem? Quando eu sentia desejo de me comunicar-com, eu lia.  A leitura me inebriava a alma e supria o desejo. Voltava para o meu mundo e me fazia palavra. Palavra minha. Não mais, do outro. E ficava tranqüila e serena. Escrever era a mágica. Bastava pegar o lápis e as palavras se derramavam no papel. Aí fui percebendo que as palavras começaram a me iludir. E fui ficando órfã delas. Não cria mais nelas. Comecei a abandoná-las. E a minha fome foi-se tornando voraz. Já não mais me satisfazia a leitura inocente. Eu queria mais! Mas as palavras se tornaram “palavras apenas, palavras pequenas”.

                Ao abandonar as palavras, roubei de mim eu mesma... Deixei de com-viver com. Fui perdendo o gosto pelo devaneio. Sem elas, percebi-me jogada numa intempestiva solidão. O buraco ganhou um tamanho e formato descomunal e eu me vi sendo engolida... Comecei a sentir uma dor intangível. Não tive alternativa a não ser voltar a escrever. Mas já não havia mais aquela simetria entre mim e elas. Tinha muito por dizer, mas as palavras, na sua redondeza de outrora, já não mais me significavam. Queria-as obtusas! Escurecidas pelos paradoxos que agora se infiltrarão em mim. Muitos ganchos me enganchando numa interrogação infindável. Comecei a escrever torto. Enviesado.

               Fiz-me destra com a alma canhota. E a culpa disso tudo foi do anjo torto que me inspirou a ser poeta. Ao escrever minhas poesias, assumi uma dimensão também superlativa que me conduziu a uma condição em que se me diluiu a identidade social. Com isso, fui percebendo a minha total inexistência fora da palavra. Abandonei as vírgulas e os pontos. Fui criando pré-pontos! Reticências várias! E assim, numa quimera lingüística, fui construindo uma relação de orgia com a palavra. E ela, obedecendo ao ritual, passou a dar novamente significância à minha voz. Hoje, se não escrevo, não me significo. Se escrevo, percebo o mimetismo que existe entre mim e o mundo... Sinto o deboche... A zombaria... O alarido lá fora. Isso já não importa. Aqui dentro, cumpro o ritual nessas adversativas antagônicas. Sigo paradoxalmente o meu destino. Sei que não sou única e que continuo gauche nesta vida. Todavia, melhor ser gauche do que ser analfabeta.  Melhor ser tatu do que condor... Este voa alto, mas vive comendo merda! Deixe que zombem! Deixe que gritem... Deixe! Sempre haverá um buraco e um tatu ensimesmado... Ou um condor vaidoso!

Roziner Guimarães

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um canto em canto

                                          

  Hoje amanheci meio amarela. Cheia de brotoejas e olheiras. Meu travesseiro conversou comigo a noite toda. Disse-me ele que eu deveria estancar a dor que me encurva. Encurvado estava ele debaixo da minha cabeça. Mas eu resisti à tentação e não me levantei no meio da noite. Persisti em meu abandono. Eu precisava de mim inteira. Se se me levantasse para contemplar as estrelas, aí sim que eu endoideceria de vez. Viriam meus fantasmas e todos eles ririam de mim… Da minha alma alquebrada. E os meus anjos desertariam de mim de vez. Arredariam pé. Decidi que o melhor a fazer seria continuar de olhos fechados fingindo dormir. E as imagens amareladas vinham uma a uma povoar minhas retinas. Quadros sem moldura. E eu emoldurada no pior de mim. Deixei-me quedar no silêncio do meu não sono. Um silêncio por demais barulhento. Mas somente eu o ouvia. Ninguém mais seria capaz de perceber minha insônia nem minha fuga para os abismos mais fundos da minha memória.
 Visitei minha infância. Pulei pinguelas. Atravessei pontes. Tomei atalhos. Pus estacas no meu sorumbático modo de existir. Num canto qualquer do passado, encontrei beija-flores azuis e verdes. Colhi margaridas. Admirei alguns girassóis. Caminhei por uma estrada de terra cheia de areia fofa. Eu estava descalça e podia sentir a maciez do chão. Doces abacaxis escondidos no meio do mato. Chupei um pedaço bem devagar na tentativa de prolongar para sempre aquele momento. Mas de repente do meio do mato saiu um lobo feroz e eu estarrecida de medo, com os olhos estatelados, tentei correr. Não havia ninguém ali para me socorrer. E o lobo uivava e se aproximava de mim. Senti chapeuzinho vermelho na floresta. E que foi feito do caçador para matar o lobo? Será que ele comeria a vovozinha? Comeu! Eu nem tempo tive de perguntar por que aquela boca tão grande… Devorou-me também com a mesma voracidade que eu devorava os abacaxis roubados. É que eu tinha urgência em crescer. Cresci. Fui ser adolescente em terra alheia. Abandonei minhas bonecas. Comecei a usar calcinhas de renda. E eu via gata borralheira se transformando em cinderela. O baile. Quantas máscaras! E o sapatinho de cristal coube perfeitamente no meu pé. Montei no cavalo branco e voei para o castelo do príncipe. Mas lá vivia uma bruxa malvada que me ofereceu uma maçã enfeitiçada e que eu comi com sofreguidão. Dois anos depois lá estava eu jogando as tranças pela janela. Pensava ser Rapunzel. Meu castelo mais uma vez desmoronava e eu estava sem ninguém para me salvar.
Kiss me quick ouvia no velho gravador de voz… E minha interpretação era na base do tatibitate… Mas o que importava era o meu desejo de ser beijada. E o beijo era quase sempre iscariote. Em hebraico יהודה איש־קריות ou em grego Yehudhah ish Qeryoth. Se Cristo fora traído…
Como minha janela sempre fora feita de giz, passei uma borracha nela e, embora tenha ficado alguns borrões, desenhei um céu amarelo e pus meu sonho num balão mágico e o vi voando para longe. Brinquei de ser professora. Na verdade, eu tentava ensinar a mim mesma a ser menos analfabeta. Mas o curso que fiz de educadora foi tão mal feito que não consegui acabar com meu analfabetismo até hoje. E, talvez, por isso, no meio do meu caminho não tenha uma pedra, continua tendo um sonho. E, talvez, por isso, eu continue dançando este tango argentino.
Dizem que sou fatalista, embora determinada. Sou egoísta. Narcisista. Perfeccionista. Exigente. Mas também sei ser compreensiva, comprometida, educada, refinada, bem humorada. Quando amo, amo. Mas nem pense em pisar meu calo. Na primeira vez, calo. Pisa de novo: viro fera. Fico arrogante. Irônica. E invoco todos os deuses para um pacto de vingança. Quando odeio, odeio. Comigo não existe meio termo. De criança a mulher. De bela a fera. De fêmea… Que culpa tenho se meus feronômios estão à flor da pele? Que culpo tenho se os lobos só aprenderam a uivar? Que culpa tenho se continuo acreditando em alguns conto de fadas? Azar de quem vive em terra de surdos-mudos. Eu sou toda assimétrica. Sem religião. Adoro as sinestesias. E sofro com os paradoxos. Mas aprendi a ser pleonasticamente mulher. Aprendi a ficar nua e abandonei a calcinha de renda… Não preciso mais dela para seduzir. A minha nudez me basta. É o meu avesso e o meu direito. Deveres, deixei-os para fazer em outra vida. Nesta, basta-me meus fantasmas despudorados… Meus anjos de olhar enviesado.
Aprendi que preciso viver. E viver nem sempre é preciso, como bem escreveu Fernando Pessoa. Navego… Nem sempre trago comigo uma bússola. Nem remos. Tenho braços fortes. Mas, como meu porto fica além, durante a travessia desse mar bravio, acabo me esbarrando em icebergs enormes que quase fazem naufragar meu frágil barquinho. Mas nem pensar em buscar uma ilha. Quero o mar impetuoso todo para mim. Suas marés cheias. Suas ondas me consumindo. Tsunamis em fúria em mim. É assim que sou. Autêntica, apesar de parecer hipócrita.
Preciso estar apaixonada. Nem só de razão vive o homem. Se tive alguns amantes por esta curta vida, é que precisava me sentir viva. Só se vive quando se ama. Só vivo se estou amando. Mas não me entenda mal. Amante é aquilo que se faz necessário. Providencial. Urgente. Tive urgência de vida e busquei meus amantes. Amei. Se fui amada… Do jeito deles, fui. Mas não me bastou. Quero um amor que seja bom pra mim. Frejat canta bem. Esse é o segredo dele e o meu. Tão simples de desvendar. Mas ainda não encontrei ninguém disposto a ler o meu segredo. Só julgamentos. E eu Joana D’arc me deixo ir para a fogueira. De nada adiantaria dizer o contrário. Quem não entende esse simples segredo não é, de fato, o príncipe que procuro. Mas eu vou assim até o fim. Só me entregarei totalmente àquele que fizer jus ao título de amante. Não sou bruxa, herege, idólatra, mas, se tiver de ser queimada viva pelos meus sonhos, serei. Não abdicarei do trono que me foi destinado. Se alguém não estiver disposto a ler com cuidado o segredo e ser rei que não se aproxime da rainha. Porque, se se aproximar sem desvendar o segredo, será vassalo. E de vassalos, cansei. Não sou suserana… Sou apenas mulher.  Só quero ser amada!

Roziner Guimarães

PS: Esse texto foi publicado no blog: http://rggvida.wordpress.com/ no dia 17/01/10.Trago-o para cá para divulgar o blog.

domingo, 14 de novembro de 2010

Poderia ser uma vírgula, mas não, são pontos de interrogação

               O gancho que me fisga se disfarça de resposta em vagos monossílabos e em reticências várias. E eu continuo tartamuda sem entender a pergunta e sem ter uma resposta.  E esse abismo me engolindo sem aviso! E eu vesga sem entender nada e tentando decifrar tudo. Mas tudo é tão nebuloso... Tão sem nexo! Meus olhos em torrentes... Minha mente em desalinho... Meu corpo embalsamando as dores do mundo... E o mundo nem aí para minhas dúvidas e para meus desassossegos! E eu pedindo misericórdia! 
                Sem resposta, sigo sem rumo rumo a um horizonte que, às vezes, nem consigo visualizar. Mas, inda assim, meio empurrada pelas horas, que passam às vezes lentamente, noutras tão rápido, vou indo... Os ganchos me enganchando... Enlaçando... Fisgando... Tropeço aqui, caio ali... Levanto meu zonza... Trôpega e, mais uma vez, tento me fazer de forte. Mas só eu sei o quanto é causticante viver assim. 
               A caminhada parece longa! Meus passos estão curtos. Volto para o passado na tentativa de encontrar uma linha solta... Um alinhavo, talvez. Fuço. Remexo. Mas não. Os nós estão bem atados. Só o que consigo é me enlaçar  mais e mais...  Mais perguntas que respostas! 
                E os meus sonhos, onde os enterrei? Quando? Por quê? Como viver o presente assim tentando disfarçar uma dor já doída de doer? Como acabar com a raiva de uma vida vivida pela metade? Onde esconder a mágoa? Como silenciar a solidão? Como dissipar o medo? E essa alegria malsã poderá um dia se transformar em alegria pura? Que destino é este?
               Aí me chega um desavisado e me pede calma. Outro me fala em fé. Alguns afirmam que é preciso ter esperança. Pensamento positivo. Disciplina. Caramba! E o esforço que tenho feito para me manter firme ninguém percebe? Ninguém percebe a força que tenho empreendido para me manter de e em pé? Ninguém percebe que até meu silêncio tem gritado por socorro? Ninguém percebe!
               Não percebem. Para perceber, é preciso observar. Observação implica preocupação. Cuidado com o outro. Por isso, quando perguntam: "Tudo bem?" ou "Como está?" Respondo: "Tudo ótimo!", "Estou muito bem!" E  vivam as máscaras! Viva o disfarce! Quem pergunta não quer saber. Quer talvez um motivo para mais uma crítica. Como crítica não cura nem devolve a alegria para ninguém... Fico eu com meus pontos de interrogação e deixo que o mundo viva suas vírgulas. No mundo das vírgulas, as pessoas têm resposta para tudo... Eu só tenho dúvidas! Fico, pois, sozinha, no meu mundo de ganchos!
    
           Roziner Guimarães

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Quando o leitor incomoda o escritor?


               Quando o leitor incomoda o escritor? Essa pergunta me surgiu a partir do comentário do leitor Augusto César Neto num dos meus textos. Disse ele: "Passei por aqui tantas vezes em silêncio. Não quis incomodá-la, minha poeta querida, mas senti tanta falta de seus textos dos quais sou fã incondicional". Aí eu fiquei imaginando "Quando um leitor me incomodaria?" Pus-me a pensar.

               Eu não me sentiria incomodada se um leitor, depois de ler meu texto, dissesse: "Seu texto é muito ruim". Não, eu não me incomodaria. Eu não me incomodaria, porque, primeiro eu iria querer saber o que ele tem de ruim. Ouviria as queixas do leitor. Talvez ele tivesse mesmo razão. E, nesse caso, trataria até de pedir desculpas a ele. Como bem escreveu Perissé em "A arte da Palavra", o escritor é responsável pela coerência do texto e, evidente, pela compreensão do leitor. Se meu texto foi classificado como "ruim", então, eu não soube ser clara o suficiente para o meu leitor compreendê-lo ou então a temática escolhida não foi bem abordada. Eu, com certeza, ficaria chateada - não com ele, o leitor-, mas comigo que não soube dar acabamento ao que me propus.
              
               Ocorre-me pensar também que eu não me incomodaria se meu leitor, depois de ler o meu texto, dissesse: "O que você quis dizer?" Não. Eu não me incomodaria se ele me perguntasse isso. Ao contrário do que disse Quintana: "Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro...", eu me sentiria era preocupada, pois pode ser que eu, como já mencionei acima, não tenha sabido dar coerência ao meu texto, ou quem sabe, não seria uma questão de coerência do texto, mas de total falta de conhecimento do leitor sobre o assunto, o que tornaria o texto muito denso para que ele pudesse compreendê-lo. Depois de estudar a situação, se a "culpa" fosse dele, eu iria dizer: "Eu quis dizer isso e isso." Se a "culpa" fosse minha, eu trataria de ler mais sobre o assunto e depois reescreveria o texto.
                          
               O que realmente me incomodaria é se eu não tivesse leitores. Ah, isso me incomodaria deveras. Todo escritor, embora alguns finjam que não, quer ser lido. Se não, escreve-se para quê? A crítica é um modo de mostrar reconhecimento. Eu estaria sendo hipócrita se dissesse que não me importa se eu não tiver leitores. Importa-me e muito. Se não quero leitores, por que escrevo, crio blog, tenho orkut, msn, twitter etc? Escrever pode ser uma forma de epifania, mas é também uma forma de estar presente nas pessoas. Estar vivo! E ai faço minhas as palavras de "Constância": "Enquanto escrevo, vou arrancando de mim os embriões de um gozo rápido, porém fecundo e intimamente só. Dou-me companhia. Crio um mundo infinito, tão infinito quanto é o mundo."
              
               Portanto, caro Augusto, o seu silêncio me incomoda sim. Suas palavras não. Não se sinta "náufrago", pois é sempre um prazer receber a visita dos leitores, sobretudo, a sua que diz ser um "fã incondicional" dos meus textos. Quando puder e quiser, esteja à vontade para comentar os textos, criticar, fazer sugestões. Isso só me honra e me incentiva a escrever mais.

Abraços!

Roziner Guimarães


terça-feira, 2 de novembro de 2010

A fuga para o espelho...


               Dizem que: “Espelho não mente”. Narciso, debruçado sobre a fonte, disse: “Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te!” e morreu contemplando uma incauta ilusão. A madrasta de Branca de Neve, olhando-se no espelho, perguntou: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” e o espelho desfez sua ilusão. Cecília Meireles escreveu: “Em que espelho ficou perdida a minha face?” e, no próprio poema, o eu lírico desvenda sua amarga ilusão. Desde os gregos até a “moderna-idade”, a fuga para o espelho tem revelado a busca do homem por si mesmo e/ou pelo mundo em que ele habita. De Guimarães Rosa, passando por Machado de Assis, a Chaia Zisman, sempre haverá um texto em que o espelho será o centro de todas as atenções. Ele aguça a curiosidade, atiça os desejos e desvenda os mistérios...

               A sombra esquizóide de “Constância” escreveu: “Refletida no espelho não conseguia visualizar-me. Eu estava ausente. Via ali uma sombra difusa, confusa. Mas era narcisista. Contemplava uma efemeridade. Contemplava o espectro de Constância e, em seus olhos, eu via a tristeza, o vazio e o medo escondido num véu de ilusão. Bem que eu lutava e lutava... e novamente o espelho. Disfarce. Fantasia. E narcisisticamente me contemplava e contemplava Constância”. O que fez a personagem-sombra? Jogou o espelho ao chão, pisoteou-o, mas mil pedacinhos continuavam contemplando-a. A ela só restou ir dormir, porque o dia seguinte seria longo.

               Assim são as diferentes histórias que se vê por aí. Muitas delas embrenhadas em sonhos e pesadelos. Ou melhor, o sonho pode não passar de uma dolorosa similitude com o pesadelo. Paradoxos que o espelho trata de desfazer. A maioria das pessoas esquece de se olhar no espelho... E muitas nem se olham porque já não se reconhecem. Outras se miram horas e horas e contemplam uma imagem que, embora refletida, não são delas. Se é para se iludir, é melhor ouvir Bach, Chopin, Missal, Strauss ou, quiçá, sair por aí e tomar um chope no bar da esquina. Cria-se um mundo à parte e, a partir dele, vive-se uma vida de mentira. Tudo se torna uma grande mentira. E grandes mentiras com o tempo se tornam grandes verdades, embora a recíproca também possa ser verdadeira. Aí surgem as dores, os temores... Os fantasmas! “Mas isso pouco importa. Quando principia o amanhecer, que diferença faz o galo que canta?”, né, Constância, de todo jeito vamos ter de acordar mesmo!?

Roziner Guimarães

imagem copiada do "diário da minha Psiquê". 

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Labirinto...

Caro Augusto,

Seu comentário me obriga a "sair de mim" e vir desenhar uma resposta que seja satisfatória sem ser mentirosa. Eu lhe devo isso, afinal você disse que quer se "embriagar" do/com meu texto. Isso muito me honra, mas, se meu texto exerce esse mimetismo com meus leitores, minha responsabilidade aumenta ao escrevê-lo, afinal o que todo escritor deseja é ser lido. Entretanto, vem-me a memória duas frases de Perissé. Diz ele, em "A arte da palavra": a) "a clareza do texto é um gesto de educação para com o leitor"; b) "escrever é fazer o strip-tease de si mesmo". Essas duas frases podem explicar, em parte, o meu sumiço involuntário. Um texto confuso, mal arrematado pode por tudo a perder: o leitor pode desaparecer. Mas, já que me perguntas o que está acontecendo comigo, não posso deixá-lo sem resposta. Até porque isso seria, no mínimo, deselegante de minha parte. Corro, pois, o risco de me jogar no papel... Mas saiba que não estou no melhor momento para um strip-tease textual. 

Se o fio de Ariadne conseguiu fazer com que Teseu voltasse são e salvo para Atenas e se casasse com ela, quem sabe, eu consiga também matar o minotauro e encontrar a saída deste labirinto e possa, nesta missiva, desenhar para você uma resposta e, ao mesmo tempo, resgatar alguns fios que deixei soltos... Espero, meu preocupado e já querido leitor, que compreenda a retórica, mesmo que ela venha recheada de pontos e pré-pontos e reticências várias. Vamos lá!

Uma dor surgida no vazio da vida me obrigou a observar os abismos... Uma chuva de meteoros me obrigou a buscar no infinito as estrelas... Um fio solto no passado me obrigou a remendar minha existência... Como não gosto de remendos, estou tentando construir novo tecido que possa cobrir minha nudez cheia de pudor e, assim, poder atravessar o labirinto... Novas nuances vão surgindo no colorido estranho que dei às minhas telas mentais. Os meus dezessete girassóis se estancaram num amarelo escuro e se rebelaram contra a solidão em que estão na tela. Agora pretendem ser pares. Pasme! E eu os pintei ímpares! Ser par num mundo ímpar é, no mínimo, pensei, ser desonesta comigo mesma... Eu que sempre vivi de forma singular, terei agora de ser plural? Esse é um dos anzóis que têm me fisgado... Peixe nadando na contramão da correnteza, dá nisto: confunde anzóis com suas dúvidas e, em busca de resposta, é fisgado! Mas, mesmo demonstrando ingenuidade nas intempéries que perturbam meu mundo, confesso que tenho lutado para ser um pouco mais esperta em relação não só aos anzóis que teimam em me fisgar, mas também em relação aos nós que tenho de desatar... Sozinha! 

Estou reinventando também uma nova linguagem que dê conta das inúmeras queixas que transitam afoitas pelo espaço que separa o meu "eu" do meu "outro eu". O meu avesso? Ou meu direito? Anverso ou reverso? Não sei! O que sei é que deixamos de ser "nós" para podermos continuar, mesmo que de forma obtusa, existindo nesse mundo suburbano de malícias e hipocrisias... Não concordamos com os "roubos" que ocorrem por ai todos os dias. E, inda assim, acabei sendo roubada de mim. Agora estou em busca desse meu outro "eu" que fugiu para o mundo da fantasia. Noutro dia, enviei-lhe uma missiva e ele me respondeu que continua na Terra do Peter Pan e que quer permanecer por lá. Se eu quisesse a companhia dele, que eu me segurasse nas asas do condor e ele me levaria até ele. Não quis! Estou deveras cansada da minha solidão e desse mundo de faz-de-conta... Entrar em outro para quê? Não quero mais voar... Talvez seja por isso que meus pés doem tanto! Estão tão presos ao chão duro que estão se transformando em pedra... Meus braços também doem muito, mas eu já sei que asas que não exercitam o vôo ficam paralíticas! E eu não consigo mais voar. Não quero! O sonho, descobri, é apenas uma quimera. Aqui se vivi de abandono! Abandono, pois, os sonhos... Abandono os vôos! Abandono aquela criança amada e mimada... Fico apenas com a memória do ontem registrada nas telas emolduradas por algumas saudades.

Entro de cara limpa, sem nenhuma maquiagem, nesta Terra, equivocadamente chamada de Terra do Poder. Eu sou da Terra do Ser. Mas, menina mimada e educada nessa Terra, preciso ainda aprender a abaixar a cabeça... A não pedir licença, porque nesta Terra quem pede licença, é considerado idiota, se faz parte da cúpula; se não faz parte, deve apenas obedecer sem nada dizer! Aqui se perdeu o direito à "palavra minha", como assinala Bakhtin. Aqui só vale a "palavra do outro"... Ninguém quer ouvir suas confissões, por mais que elas sejam doloridas. Ninguém quer saber o que lhe vai no coração... Aqui, nesta TP, os seres humanos nem sabem o que significa "coração"... A Lei é outra. Como outras são as exigências. É preciso aprender a dizer "sim" quando gostaríamos de dizer "não"... Abrir a boca para expressar uma opinião está fora de qualquer cogitação. A ordem do dia é: "Puxar saco para não puxar carroça!" E olha o absurdo de tudo isso: Alguém não faz muito tempo vivia me repitindo isso... E eu dei ouvidos??? Agora chegou o tempo da aprendizagem! Na marra! Amarrada no tronco! De bico calado!

Entro agora por um atalho. Recordo-me de que Constância me avisou de que, "se atalho fosse bom, não se construiam caminhos!"... Bobagem! É preciso atalhar para se chegar mais rápido ao destino coletivo. E o gado vai sendo tangido sem poder mugir. E eu vou atalhando aqui... Atalhando ali. A caminhada é longa... O caminho escuro... Caio aqui... Caio acolá, mas esperanças não me faltam. É isto: Nesta Terra, embora não seja a Terra do Ser, "a esperança é a última que morre".  

Em algumas coisas (não quero nomeá-las por agora) continuo ainda resistente... Resiliente! Deixo-me esticar como elástico em mãos de criança... Se não me arrebento, cumpro meu destino! Se me arrebento... Tinha de ser assim! (aceito o fatalismo). Aceitei o desafio e estou indo na direção em que o vento sopra... Às vezes, ele é tão forte que me sinto tonta e bato com a cara no chão... Levanto, cambaleando e, em ziguezague, continuo a caminhada. Noutras vezes, passivamente, deixo-me ser empurrada por ele... O que importa é "não perder a esperança".

Diante de todas essas curvas, curvei-me ao que escreveu Quintana: "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso". E aí fui levar minha vidinha de besta... Deixei de escrever, porque escrever é algo que vem da alma...

"Escrever requer tudo isso: obsessões e verdades, objetividade e subjetividade, memória e intuição, uma generosa bagagem de leituras e capacidade de pular no escuro, ou melhor, de pular no claro, sem diploma nem cartão de crédito. Escrever sem superficialidade, sem pretensão, sem arrogância ou falsa humildade, sem medo e sem temeridade, sem frescura. Com criatividade" (Perissé, 2007)

E eu estou numa outra, digamos, dimensão... Como escrever assim? Sem vontade para me jogar no papel? Sem forças para esta nova caminhada? Mas aí me chega você e me "rouba" o isolamento e me "cobra" uma resposta...

Não sei, Augusto, se este texto conseguirá embriagá-lo... Se não, que, pelo menos, você perceba a importância que tem as suas visitas neste blog. Espero que continue lendo meus textos. Obrigada! Volte quando quiser e puder!

Roziner Guimarães

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Desfazendo equívocos: Me., Ms ou Msc?


Recentemente, fui criticada por usar "Me" para abreviar "mestre". Então, como professora de Língua Portuguesa, além de me sentir "ultrajada" com a crítica, senti-me no dever de esclarecer a questão.


Segundo a ABL (Associação Brasileira de Letras), a abreviatura para Mestre é "Me"; para Mestra é "Ma"

Então, por que não uso "Ma"?

Simples! A Língua de um povo é sua maior forma de expressão e, como todos nós, brasileiros, sabemos o Brasil tem uma História Cultural machista e preconceituosa. Evidente, pois, que nosso idioma irá expressar essa História.

Em sendo assim, por que eu iria usar "Ma" em lugar de Me"?

Quem tem mais "valor" (leia-se "valorizado") o "poeta" ou a "poetisa"? Percebe como "poetisa" sou "menor"? O mesmo ocorre com "Ma" associando-se a "má". Para evitar essa "associação depreciativa" contra a mulher, uso "Me".

Portanto, ao assinar "Profa. Me." e ao me intitular "poeta", além de mostrar que conheço meu idioma e seus meandros, mostro que valorizo o "estudo" e o "trabalho" da mulher brasileira. E mais: A Língua Materna me autoriza a escrever assim, pois os substantivos "mestre" e "poeta", e alguns outros, podem ser usados como comum de dois gêneros.
 
É isso!
 
Profa. Me. (poeta) Roziner Guimarães

domingo, 12 de setembro de 2010

Uma voz interior indaga...





               O silêncio se transforma em balbúrdia dentro de mim... Fico em festa... Danço! Choro! Rio! Entro em transe e me desafio a escalar o túnel do tempo... Lá vou eu cheia de tudo e totalmente vazia de mim! Desatino-me a percorrer longos caminhos que, sei, só tem idas... Mas, ainda assim, arremesso-me de volta a ele e, num frenesi, tento descobrir o que fiz comigo... Muitas perguntas sem resposta! Indagações insondáveis... Misto de dor e angústia! Por que me deixei perdida no eco de minha própria voz?
               Recuo e tento encontrar minha menina-criança. Pouco me recordo de minha infância! Em que idade somos crianças? Tudo é nebuloso! Parece que já nasci adolescente... Adulta! E o silêncio vai ficando constrangedor. Mais dor que constrangimento. Gosto de brincar com as palavras, talvez seja por isso que eu veja tantas possibilidades nelas. Mas elas se zombam de mim e nascem meio esfareladas... Não sei se traduzem realmente o que tento dizer. Mas continuo a travessia. Vejo-me num casebre de beira de estrada... Eu brincando de casinha... mesa redonda, toalha redonda... vizinhos fazendo paçoca num pilão. Uma delícia! Estrada de areia branquinha... Caminho  rumo à escola rural. Medo do Zeca, ele parecia o lobo mau  da história dos três porquinhos... Eu já tinha mente muito fértil! Agora estou do lado de dentro da escola levando palmatória por não ter aprendido a tabuada... Tentei, mas essa história de números ainda hoje me incomoda. Saio e vou cantar o Hino ao Soldado! Patriotismo criado na escola. Nada hoje que me  instigue a ser patriota. Hino à Bandeira... À Pátria! Que Pátria? Sinto-me despatriada! 
                Neste momento, chupo com gula os abacaxis escondidos e descascados no meio do mato pelo meu pai. Doce sabor! Hora de catar galinhos na beira da estrada! "Eu perdi o meu galinho ô lá lá... Ele é branco e amarelinho"...  Hora de dormir... Rede armada em cima da cama do papai e da mamãe. Chorei muito e me colocaram para dormir lá. Melhor do que dormir com tia rabuzenta! Acordo cedo... Carpir o quintal para minha avó.
               Transporto-me na velocidade do vento... Estou em outra fazenda. Vó... Esqueci-me o nome dela. Só sei que a chamávamos de vó... Maracujás enormes na porta da cozinha. Cafezinho ralo que ela fazia para nós. Estávamos ali para buscar leite. De volta,  encontrei uma cadela rabugenta. Tomei-a nos braços e a levei para casa. Batizei-a de Rebeca. Não sei que fim levou Rebeca. Gostava dela. Só não me recordo se ela gostava de mim.
               Escola pertinho de casa... Só atravessar a estrada. Mais palmatória. Minha história com os números é antiga e dolorosa. Isso talvez explique os trinta anos que vivi tentando compreender o incompreensível para uma criança que nasceu mulher. Sei lá se explica. Só conjecturas. Baile, catiras... Festa! Comemorava-se o quê? Dancei! Estava feliz! Acho que o nome dele era Moacir. Todas as meninas eram loucas por ele. Eu também? Sinceramente não me lembro. Viagem de volta para casa na carroceria de uma picape... Acho que era. Jogávamos umas frutas enormes, das quais não me recordo o nome (seria coité?), na estrada, quando passava outro carro. Brincadeira de criança. Ríamos muito. Penso que foi nessa festa que quebrei, desloquei meu pulso. Dores horríveis quando ia varrer a casa de chão batido  para a mamãe. 
                Coisa estranha! Estou envolta numa névoa densa. O primeiro namorado partiu (adolescência ou infância? difícil definir). Dele, eu me recordo o nome, mas nem vale a pena dizer.  Não me enxergo... Só o que ouço é o meu choro. Mas choro de criança (ou seria adolescente) passa logo. Passou.
                Também me recordo de ir para a casa de uns amigos nordestinos... Sentar-me na rede e ficar ouvindo música numa radiola barulhenta. Hoje sei o som era brega. Mas a memória é gostosa! A dona fumava cachimbo... Cusparada para todo lado. E eu hoje toda nojenta.   
                Agora uma lembrança que traz muita saudade: papai com um carrinho de mão cheiinho de laranjas, sentado debaixo de uma frondosa árvore... Ele as descascava para mim e para minhas irmãs... As tampinhas de funil que nunca me saíram da memória.
                Mudei-me para a cidade. Novos amigos. Brincar de pique esconde; banco imobiliário, pedrinhas, varetas, assitir ao Vila Sésamo e à Selva de Pedra. Quantos anos eu tinha? Nove, dez? Não sei mesmo. Eu era pajem de duas crianças. Que horror! Acho que foi aí que nasceu meu des-gosto pelas crianças. Minha falta de paciência com elas. Culpa dos pais delas. Não delas. Ah, também fui empregada doméstica... encerava a casa de duas senhoras ricas... E tinha de passar enceradeira até o piso ficar um espelho. Ufa! Aquilo era um terror. Depois passei a vender bolo nas ruas. Vendia tudo rapidinho. Até minha mãe descobrir que eu vendia todo o bolo num bordel da Rua 25... Adivinha?! Nunca mais vendi bolo!
                 Naquela época, eu estudava no Colégio Mascarenhas... Lá tinha horta. É só o que me recordo. Antes de chegar ao colégio, comprava, por 0,10 (dez centavos) picolé redondo de coco queimado. Hummm! Aquilo é que era picolé! Redondo, pasmem! Nunca mais vi ou chupei picolé redondo e nem mais gostoso do que aquele.
                Meu pai era dentista prático. Como ele tinha clientes! E como o coitado sofria tendo de se esconder da polícia. Naquela época era como hoje: quem trabalha honestamente e bem vai preso. Os falsos médico ficam aí medicando... Os péssimos médicos continuam clinicando, apesar das reclamações e dos diferentes erros cometidos. Meu pai, ao contrário, não tinha um diploma, mas era (e posso provar) um excelente dentista que honrava sua profissão, a qual tivera de aprender se quisesse casar com minha mãe, foi o que meu avô estipulou. Ele a aprendeu e a honrou até quando, em 2005, por motivos de saúde, teve de deixar a profissão.
                Mas, continuando a retrospectiva em busca do meu passado, mudei-me novamente para uma cidadezinha distante 70k de onde eu morava. Novos amigos, novos rumos... Cidade de interior. Peteca, bola de gude, amarelinha, queimada... Circo na cidade! Palhaços e palhaçadas com as amigas! Cigarro fumado às escondidas. Saboroso como a adolescência. Na escola, estava sempre entre os melhores... As maiores notas! Competições! Pulo à distância! Salto com vara. Handebol. Arremesso de dardo! Idas e vindas ao Clube. Sol. Pele morena. Namorados.
                Casamento. Filhos. Inocência. Amor. Adolescência. Paixão. Insegurança. Medo. Indecisões. Preocupações. Traições. Choro. Mais insegurança, mais medo, mais desquilíbrio... Como malabarista tentava segurar uma vida dividida. Academia. Aeróbica. Jogos. Flertes. Sono vazio. Vida Oca. Vieram a canastra, o buraco... As compras sem necessidade... Ou melhor, pela simples necessidade de gastar dinheiro, de comprar, suprindo o insuprimível!
                Nova mudança de cidade. Adulta. Totalmente insegura. Medrosa. Confusa. Medíocre. Volta aos estudos. Estuda. Escreve. Estuda! Transforma-se! Não há mais circo... Não há mais clube! Não há mais canastra! Há buracos... Vida profissional! Dona de casa! Estudante! Mãe! Amante!
                As horas esgotando o tempo no conta gotas do vai e vem... Do faz não faz. Do sente não sente. Das noites em claro. Dos dias vazios. E eu ali paradoxalmente entregue a um eterno solilóquio. Nem chorar, chorava. Nem cantar, cantava. Rezava! Medo... Insegurança. Dores. Pânico. Conselhos. Críticas. Fácil  falar, difícil compreender. Bebida! Noites insones. Bares. Amigos. Uma alegria malsã. Mas eu teimava... E eu até me divertia.
               Mudança de casa. Estado civil. Pensamentos mil. Filhos... maior preocupação! Medo persistente. Doença já era consequência. Dores difusas. Confusa... Nenhum diagnóstico. Paranóia. Pânico. O corpo toma forma de viagem, mas estaciona-se no inchaço... Recesso para compreender onde dói... Por que dói. Inimiga do querer... Do poder... Do ser! Agressão... Solidão! Vai entender!
               E a voz continua indagando... Onde? Quando? Por quê? Até quando? 
               Algoz ou vítima de mim? 

Roziner Guimarães   
                
      

domingo, 8 de agosto de 2010

O retrato

               ... Às vezes, tudo ao redor tem forma e fôrma, mas nós aparecemos deformados... Subjugados pelos reflexos do ambiente... A lente trêmula captou apenas um quase sorriso e alguns traços sem contornos definidos! Olhamos para ele e nos percebemos fora de nós... interinamente vazios do que somos... Amarelados na fugacidade do tempo! E, inda que apareçamos desfocados, permitimo-nos emoldurar numa tela enviesada em que se torna difícil reconhecer nossa verdadeira imagem. E é justamente no desfoque que está a essência do retrato. Não nos reconhecemos, porque, paradoxalmente, desconhecemos a condição "sina qua non" que o originou. E foi sobre isso que acordei pensando hoje. Contemplei meu retrato e não me percebi nele. Eu estava estranha de mim. Obscura na minha insensatez! Eu sorria de quê? Para quê? Peguei uma folha de papel e rabisquei:

              Um papel em branco
               Uma caneta preta
               E eu, sem inspiração,
               Tracei linhas amarelas...
               As palavras ficaram vermelhas...
               Eu queria que elas significassem apenas a minha emoção!
               Pobre de mim... Nem lidar com as palavras sei.
               Ou com as cores não sei!
               Elas denunciaram apenas a minha ilusão!
              
               As palavras me fizeram perceber a inexatidão do meu retrato. Ali, emoldurada, não era eu. Também não era meu aquele sorriso. Tudo estava sem graça! Mas, sem graça mesmo estava eu! Perdi meu humor... Mas ficara a ironia... A ironia do destino! Um clichê fora de moda... Afinal, "o destino somos nós que o criamos". O livre arbitrio... Metáforas jogadas pela janela! Eu apenas representando meu papel de artista... Pintando telas sem perspectivas... Sem linhas paralelas... Sem horizontes! Embalsamando jardins com cal virgem. Mumificando beija-flores no correr ágil do tempo... 
               ... Hoje acordei sem desejo de mim. E aquele retrato, ali, à minha frente, convocando-me a refletir: Quem era eu e quem era aquela que estava ali emoldurada? Várias respostas intrometidas se fizeram presentes... Ganchos tentando me fisgar como se eu fosse peixe! Não permiti ser fisgada! Abdiquei-me de todas elas. Hoje não quero me comprometer... Permiti-me apenas pensar: "É mais fácil lidar com tintas do que com destino! Mais fácil lidar com palavras do que com gente!"  Não é por acaso que sou poeta! Paradoxos, metáforas, pleonasmos e ironias... Essa é a arma do poeta. E é com ela que luto... "E lutar com palavras é a luta mais vã...", dissera o grande poeta Drummond. Portanto, deixo meu retrato inacabado... Não vou me pintar... Não vou me descrever! Quem quiser saber, realmente, quem sou, vai ter de aprender a lidar com palavras... 
               Para mim, hoje, e, para alguns, serei apenas esse retrato emoldurado numa tela enviesada... Isso não importa! A gente só consegue mesmo enxergar com os olhos que têm! 
              
               Amanhã, eu sei, meu olhar já terá um novo brilho! Sou poeta... E existe muita poesia solta por aí, esperando para ser escrita! "Minha história sou eu quem faz"!

Roziner Guimarães 

sábado, 17 de julho de 2010

"Joãnzinho": que que isso, minha "jenti"????

              

                                                 (Desconheço a autoria dessa foto)

              Férias! Tempo de sair e se divertir... Viajar! Fazer trilhas! Tomar banho de cachoeira! Ver os pores do sol... Namorar! Mas eu fui ser professora (de Português! Aff!) e deu nisto: passar as férias corrigindo textos dos alunos. Aí fico com minhas asas presas em palavras miúdas, esfareladas e o vôo se torna difícil. Para não ficar sufocada nas linhas mal traçadas, amarroto as lágrimas na garganta e começo a dar risadas do que leio. (Cada um se diverte como pode!). Não vou perder meu bom humor com as pérolas que eles produzem! Não vou me preocupar com a "viajem" de alguns deles. Pelo contrário, já me libertei de toda e qualquer "culpa" e, agora, a caneta corre ligeira pelas folhas abarrotadas de "mesmisses", ops, mesmices. Perdoem-me, isso é contagioso... Outro dia, escrevi "chuvendo"... Isso "impreguina na jenti".  
           Pois é... Voltando ao "asunto discultido", quero dizer, assunto discutido, muitos insistem em escrever "atravéz", "apartir", "deve de compreender". E tem aqueles que escrevem: "adimirada", "anciosa", "prescisa". Eu, quando leio isso, também fico ansiosa, para não dizer admirada, com a "copreenção" (ou  seria "compreenção"?) que eles têm sobre alguns aspectos gramaticais (e linguísticos, semânticos etc. etc. e etc.). Veja o que uma aluna escreveu:  "é de subimportância a intertextualidade na construção de um texto, pois teremos uma comprienção definida do que o autor vai nos transmitir". "Subimportância"? Ah, pois sim! Depois ainda "dam", ops, dão risada quando o professor escreve "chuvendo" ou quando um outro, por uma questão de rotacismo,  troca o "l" pelo "r" em, por exemplo, "púbrico". Ah, para!
               "Cança" corrigir  "introdusão", disculção" , "exências" (traduzindo: "essências"), "convençer" ...  E, isso não é nada diante desta pérola: "coesão e coerência caminhão juntas para isso devemos usala de acordo para a frase não perder o sentido." É, se não usala de acordo, vamos todos "ser-mos" atropelados. E se fosse só isso...
               Tem aqueles que falam bonito: "É necessário o saber compartilhado (kkkkk eu bem que "compartilho", mas...), argumentos que dão uma explicação a sua negativa ou afirmativa que enriquece o texto e dá valor agregado a obra". Você entendeu??? Nem eu!!!" De "muinto" dificil "compreendimento"! Pensa que acabou? Tem mais: "A textualidade é improtante pois tem que aver uma boa articulação e organização de opinião e conhecer bem o assunto proposto, a intertextualidade tem que aver um bom dialogo com outros altores com opinião de pessoa que entende bem compreendimento adequadanento o que foi pedito." Uffa! Quase tive um "trosso"!
               E sabe o nome da disciplina que trabalho: "Português Estrumental". É... só pode mesmo ser "estrumental"!!! Que "seje"! Fazer o quê? Que fiquem com as asas presas quem não "pença", "despresa" a leitura de bons "altores" e fica por aí escrevendo "asnisses" e fazendo o coitado do professor de português ter "colapissu nervozo". 
              [...] Diz aí, meu irmão, é ou não é pra desistir da profissão????! Depois alguns ainda me criticam quando falo que quero ir vender meus livros na praia!!! Ah... Vai se f...! Deixem-me voar!...


Nota: o título deste texto faz alusão ao texto de uma aluna. Ela escreveu: "Joãnzinho". Pode? Pode!!!!

Roziner Guimarães


 


quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um dia na vida da gente...

              

               Um dia, encontrei-me com Schopenhauer, às escuras, num beco estranho do meu também estranho destino. E, no meu racionalismo, quase histórico, fiquei ensimesmada com sua intransigência dialética. Eu também buscava a minha cura. A arte representa apenas um paliativo para o sofrimento humano, alguém já dissera isso. E eu me transformei em artista da palavra. Entretanto, não sabia como traduzir em palavras o meu desejo. Schopenhauer não me falou sobre isso, mas eu desconfiei de que ele me entendia muito bem. Eu, assim como ele, via o mundo como representação. E eu estava ali re-presentando meu papel. Meus protótipos nada esclarecidos. Yung talvez entendesse melhor esse aspecto. Mas eu estava frente a frente era com Arthur Schopenhauer. E minha consciência subjetiva não se coadunava com o mundo de hipocrisia em que eu vivia. Ah, se minha vontade fosse suficiente para resolver os conflitos. Não era. Não é. Pelo contrário, ela é a causa maior da minha dor e o meu prazer se torna efêmero... Momentâneo... Fugaz! E o desejo insiste! Persiste! Resiste! 
               Olhei para ele e fiquei racionalizando minha vontade... Não, ele tinha pouco para me oferecer. Lembrei-me de Platão. Ele também falava em dois mundos,  quase, paralelos: o mundo das sombras e o das ideias. E eu estava na sombra, mas almejando novas experiências... E a sombra assombrava as paredes da caverna em que me meti. O emblema "viver é sofrer" é pessimista demais para mim.
               Fui percorrer outros caminhos... E me deparei com Nietzsche. Assim como ele, penso que nasci póstumo, para os leitores do porvir. Assim como ele, procuro arrancar e rasgar as máscaras. E elas estão em todas as caras. Inclusive na minha. Conheço minhas virtudes... Minha vontade... Meu desejo! Sou única no meu existir e no meu sentir. E me orgulho disso. Dessa minha forma singular de olhar para as coisas e vê-las embalsamadas em tantos estratagemas. Tenho consciência da minha efemeridade. Mas também tenho consciência da transcendentalidade da minha obra. Não escrevo à-toa. Às vezes sou tida como visionária... A loucura não é minha, já escreveu Flávio Ferreria, grande teatrólogo Matogrossense, em "O louco nosso de cada dia". Sigo digladiando com minha, nossa, loucura.Tudo é um caos. Por isso, escrevo. Deixo as palavras traduzirem meu desassossego e meu devaneio, meu sonho, meu desejo e minha insatisfação. Já disse e repito: não escrevo para leigos. Embora eu seja leiga em tantas palavras.Mas isso é coisa minha. "Só os loucos sabem". Portanto, faço minhas as palavras do grande filósofo alemão: "Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia." Eu me dou muito bem comigo e com minha loucura. Invejo-me! E isso causa espanto e confusão na mente das pessoas. Nem ligo. "Meu reino não é deste mundo"
                Voltei os olhos para o lado e visualizei Heidegger. Percebi que tudo é uma questão de perspectiva. Com ele entendi que cabe apenas a mim compreender este ser singular que sou. Enchi-me de coragem e me tornei Dasein. Contemplei-me e, nessa contemplação, descobri que, apesar dos rótulos que me deram e darão, só eu sei exatamente o que sou e, portanto, só devo ser abordada a partir do modo adequado de me abordar. Se não for assim, ficam apenas os rótulos... Eu continuarei sendo o que sou, independente do que os outros digam.
               E, consciente do meu singular papel neste mundo, virei a cabeça para o outro lado e me deparei com Kierkegaard. A minha identidade tem uma causa. E ela é justa. Sigo, pois, meu caminho. A história dirá quem fui. 

(trecho do meu livro: "RG: uma odisséia dos avessos")

Roziner Guimarães   
                
                  

sábado, 3 de julho de 2010

Belíssima reflexão!

Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua equipe de gestores.

Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um ameaça: "  Ninguém é insubstituível.


A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.

Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça.

Ninguém ousa falar nada.

De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:

- Alguma pergunta?

- Tenho sim.

-E Beethoven ?

- Como? - o encara o diretor confuso.

- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven?

Silêncio.....

O funcionário fala então:

- Ouvi essa estória esses dias contada por um profissional que conheço e achei muito pertinente falar sobre isso.

Afinal, as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas, no fundo continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização e que, quando sai um, é só encontrar outro para por no lugar.

Quem substituiu Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Garrincha? Santos Dumont? Monteiro Lobato? Elvis Presley? Os Beatles? Jorge Amado? Pelé? Paul Newman? Tiger Woods? Albert Einstein? Picasso? Zico? etc...

Todos esses talentos marcaram a história fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem, ou seja, fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis.

Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa.

Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar seus 'erros/ deficiências' .

Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo , se Picasso era instável , Caymmi preguiçoso , Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico ...

O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos.

Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto.


Se seu gerente/coordenador , ainda está focado em 'melhorar as fraquezas' de sua equipe corre o risco de ser aquele tipo de líder/ técnico, que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo. E na gestão dele o mundo teria perdido todos esses talentos.

Seguindo este raciocínio, caso pudessem mudar o curso natural, os rios seriam retos não haveria montanha, nem lagoas nem cavernas, nem homens nem mulheres, nem sexo, nem chefes nem subordinados . . . apenas peças.

Nunca me esqueço de quando o Zacarias dos Trapalhões 'foi pra outras moradas'. Ao iniciar o programa seguinte, o Dedé entrou em cena e falou mais ou menos assim: "Estamos todos muito tristes com a 'partida' de nosso irmão Zacarias... e hoje, para substituí-lo, chamamos:... . Ninguém ... pois nosso Zaca é insubstituível"

Portanto nunca esqueça: Você é um talento único... com toda certeza ninguém te substituirá!


"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo..., mas posso fazer alguma coisa. Por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso."

"No mundo sempre existirão pessoas que vão te amar pelo que você é..., e outras..., que vão te odiar pelo mesmo motivo..., acostume-se a isso..., com muita paz de espírito. ..".


É bom para refletir e se valorizar!

(Recebi este texto por email e o publico aqui da forma como o recebi: com alguns trechos em negrito e outros trechos destacados em vermelho. Desconheço a autoria. Entretanto, sei que Augusto Cury escreveu um livro com o título: "Você é insubstituível". Esse texto teria sido tirado desse livro? Se alguém tiver conhecimento sobre a autoria real do texto, entre em contato e eu terei enorme prazer em referenciá-lo.)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Pelos vãos da vida...

               Nos absurdos vãos da vida, às vezes, percebemo-nos cegos... Não a cegueira branca de que falou o sábio Saramago. Muito parecida com ela, mas essa é uma cegueira escura como breu, estancada nos avessos de cada um de nós. E, nessa cegueira escura, continuamos de olhos abertos, mas não conseguimos enxergar um palmo à nossa frente. É como se houvesse um apagão infinitamente grande que não nos permitisse nos perceber e perceber o outro que está às nossas costas ou à nossa frente. Abrimos os braços e tocamos apenas o vazio. Nada há na escuridão para ser sentido. E, no absurdo abismo construído entre nós e o mundo, seguimos tateando em vão. Seres demasiadamente desfigurados pela opacidade de suas irrefletidas ilusões...
               E lá vamos nós vagando cegos pelos nós cegos que atamos e que, agora, não conseguimos mais desatá-los a sós. Metáforas desmedidas num anacoluto incompleto se isso não fosse incomensuradamente absurdo! Mas o é. E, inda assim, seguimos pleonasticamente nus por vielas abandonadas e, por que não, jamais percebidas. Somos, agora, apenas e tão somente olhos incomensuradamente abertos tentando enxergar, no escuro do nosso desatinado destino pré-fabricado, o humano que jazia em nós. Tornamo-nos nós perfeitos e esses nós, inda que haja quem os desate, deixarão as marcas do nó desatado... Se é que me entendem. Se não, andemos por outros caminhos!
               Mas, preciso dizer: Não escrevo para leigos. Tenho horror à falta de leitura. Talvez por isso, tenha escolhido milimetricamente meus leitores. E é para esses leitores ensimesmados com a irreflexão do mundo que crio as minhas imagens metafóricas. Almejo que eles vejam a vida, pelo menos, como uma estrada pérvia. As pontes podem e devem ser construídas, mesmo que, para a travessia, seja necessário fazer uso do corrimão. Ou, quiçá, utilizar uma pinguela ou uma ponte suspensa por cordas... Isso pouco importa! O que não se admite é, ao perceber que a travessia é difícil, tentar atravessar a vida por um desvio, porque, se assim o for, a travessia seria impérvia, o que, além de demandar mais tempo, seria improvável a passagem! Só se consegue atravessar os abismos se, e se somente se, arrancar as vendas dos olhos e perceber a urgência na construção de pontes... Construir pontes implica observação, percepção, reflexão e ação!
               Já me disseram que tenho ares de "mãe do mundo" ou que meu discurso é "professoral"! Não ligo para rótulos! Todos somos rotulados. Isso também pouco importa! Sei bem que não tenho a pretensão de ensinar nada a ninguém e muito menos de "mudar o mundo" ... E aí os críticos de plantão afirmam: "Toda negativa é uma afirmativa" Pois bem, que seja! Mas esse não é o meu objetivo, até porque tenho consciência de que de nada disso sou capaz! Apenas teço reflexões... Crio metáforas! Todavia, se alguém quiser colocar a carapuça, que culpa tenho eu de tecê-la?

Roziner Guimarães
                



              

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Me deixo pela metade
Porque, se me dou por inteira,
Corro um sério risco:
Ser um beija-flor, no inverno,
Estancando meus beijos
Num jardim repleto
de ervas daninhas!

Roziner Guimarães 

domingo, 13 de junho de 2010


               Aquela velha história de ficar "em cima do muro" mudou. A onda agora é olhar por detrás de grades nas janelas... Contemplar o mundo que gira lá fora e sentir que um mundo desconhecido parece nos invadir por inteiro. Estamos presos! Presos no egoísmo! Presos no preconceito! Presos na falta de perspectiva! Presos... E vamos nos transformando em seres andróginos... E nos prendendo ainda mais no hipócrita discurso: "Eu me basto!"

               Como bichos em cativeiro, permanecemos escondidos, muitas vezes, de nós mesmos! Esquecidos no nosso solilóquio! Embrenhados no marasmo de uma vida sem sentido! Olhamos e não conseguimos enxergar o sol que brilha lá fora... Dentro do peito um coração sem dono! E a luz parece querer invadir nosso pequeno espaço! Pelo vão da janela, acalentamos o sonho de voar... Criamos asas no nosso abandono e, como Fênix, cremos renascer de nossas próprias cinzentas cinzas! Cruel destino! Abrimos as asas amarrotadas de ontem e percebemos que desaprendemos o vôo! Não somos águia... Transformamo-nos em abutres de nós mesmos! De nossos desejos não ditos... De nossos sonhos não revelados... Dos nossos medrosos sentimentos!

               Ocultos no nosso próprio abandono, só conseguimos visualizar o nó do nosso destino... Mas não sabemos como desatá-lo! E a onda do antigo discurso retorna e nos pega novamente desprevenidos... Novamente repetimos: "Eu me basto!" E batemos com a cara na praia da nossa solidão! Como náufragos, olhamos ao redor em busca de uma ilha onde pudéssemos enterrar nosso sentimento de nulidade... Mas a ilha se torna um oásis e, ao percebermos isso, só nos resta chorar... Sentamos na areia molhada pelo nosso pranto e derramamos nossos dissabores... Mas a praia está deserta! Ninguém por perto para sequer ouvir nosso choro... Lamentamos sozinhos e percebemos que a nossa solidão é igual à solidão do mundo! Cada um vivendo seu próprio abandono! Sua própria hipocrisia! Seu próprio obscurantismo! De Fênix passamos a Sísifo e voltamos a carregar as pedras que rolaram do nosso coração! Novamente nos colocamos nus na praia deserta e subimos montanha... Lá de cima do nosso desassossego contemplando o infinito...

               O infinito seria o nosso porto seguro! Mas que é feito do barco ou da canoa que poderia nos levar até a outra margem? Em nossos devaneios nos esquecemos de colocar na tela que pintamos a moldura adequada para estancar as lágrimas que teimam em novamente rolar... E a enchente que se forma parece querer nos afogar por inteiro. Estamos naufragando! Sem remos, sem velas... À nossa frente um mar em tsunami... Às costas, um frio tenebroso... Se caminhamos para o lado, um abismo imenso parece querer nos engolir! Nenhum oásis... Nenhuma ilha paradísiaca! Só nossos lamentos! E, sós, entregues ao nosso solilóquio, fechamos os olhos, abrimos os braços e nos jogamos de cima da montanha... Lá embaixo um mundo tingido de vermelho nos acolhe na escuridão do asfalto!



Roziner Guimarães



sexta-feira, 4 de junho de 2010

Mocinhas e mocinhos,

               Não sei por que ainda teimo em me fazer ouvida... Há tantos ouvidos moucos por aí... Mas insisto! Minha obstinação pelas "coisas fugidias" vem de muito tempo! Não foi por acaso que escrevi "Constância"! Não nasci à toa! Meu lema é "lutar pelo que quero e conseguir!" Não transformei o advérbio "talvez" em verbo... Por isso, o quase "inacessível" é o motivo da minha persistência. Não aceito calmamente a indiferença... Talvez esta seja mais uma tentativa vã.  Isso pouco importa! Como bem escreveu Johnnie Walker, "não deixe que nada te desanime, pois até mesmo um pé na bunda te empurra para a frente."    
               Apesar do tom humorístico, esse pensamento é verdadeiro e deveria ser compreendido por todos.   "Um pé na bunda" pode significar "indiferença diante de algo", "falta de educação", "incompreensão", "falta de juízo", "descompromisso", "irresponsabilidade" e tantas outras coisas... Ficamos apenas com esses significados, por enquanto. Eu sei o sentido que, para mim, esse pensamento encerra. Isso também pouco importa! Poucos são aqueles que estão preocupados com os outros... A insensatez da alma humana, às vezes, não nos permite apreender o verdadeiro sentido das palavras... Mas as palavras estão lá... Prontas para ser compreendidas... Desfraldadas... Sentidas! Mas existem muitos moucos, cegos e paralíticos por aí. Aparelho para surdez, óculos, bengala não ajudam a compreender as palavras... A encontrar o verdadeiro sentido delas.  O que ajuda é o compromisso em assumi-las... Em senti-las!
               Talvez seja por compreender isso que, ultimamente, tenho andado na corda bamba de uma sequência de talvez... "O pé na bunda" tem sido constante! Mas insisto! Quem sabe (a dúvida persiste), apesar de tantos talvez, eu ainda possa ajudar os moços e as mocinhas a aprender a conversar com as palavras... Ouvir o som melodioso delas... Sentir um poema, um conto, um romance... Interpretar um artigo ou (por que não?) a vida que levam... O meu monólogo talvez se transforme em diálogo! Ou não, como diria Caetano. Por isso, nem preciso (e nem vou) me delongar, porque poucos serão aqueles que irão "perder tempo" em ler isso aqui...
               Finalizo, pois, com a convicção (para não dizer "convocação") de que é necessário que os moços e as mocinhas se comprometam, rápido (enquanto é tempo), em compreender o sentido de tudo que eles vêem, ouvem e sentem, isto é, que comecem a dialogar consigo, com os outros e com o mundo, porque hoje, ou amanhã, alguém vai lhes dar o "pé na bunda" (Só vai para frente com o "pé na bunda" quem não anda na contramão da vida.) e aí... Aí, moço e mocinha, de futuro do Brasil, vocês poderão passar a ser um problema social.  Se é que me entendem!

Roziner Guimarães

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Depois dizem que as flores não desabrocham no inverno

É inverno...
Mas as abelhas, inda assim, voam em busca de néctar!


Flores brancas
vermelhas
roxas
ou amarelas
colhidas ou não
na primavera
enfeitam o jardim
de quem sabe olhar para elas!

Orquídeas
hibiscos
margaridas
cravos
bromélias
cada uma tem sua beleza
é só saber olhar para elas!
Rosas
petúnias
flor de cacto
flor de laranjeira
cada flor tem seu próprio encanto
Basta apenas olhar para elas!
Umas parecem, de vagarinho, se abrir
outras, eufóricas, abrem-se sem modéstia
Mas têm aquelas que, envergonhadas, apesar da beleza,
só se abrem à noite! 
Dentre todas elas, prefiro o girassol
essa flor do sol
que, mesmo colhido, vibra amarelo
trazendo fama, sucesso, sorte e felicidade
para quem acredita que ele é a planta-símbolo do novo milênio!

Roziner Guimarães