terça-feira, 2 de novembro de 2010

A fuga para o espelho...


               Dizem que: “Espelho não mente”. Narciso, debruçado sobre a fonte, disse: “Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te!” e morreu contemplando uma incauta ilusão. A madrasta de Branca de Neve, olhando-se no espelho, perguntou: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” e o espelho desfez sua ilusão. Cecília Meireles escreveu: “Em que espelho ficou perdida a minha face?” e, no próprio poema, o eu lírico desvenda sua amarga ilusão. Desde os gregos até a “moderna-idade”, a fuga para o espelho tem revelado a busca do homem por si mesmo e/ou pelo mundo em que ele habita. De Guimarães Rosa, passando por Machado de Assis, a Chaia Zisman, sempre haverá um texto em que o espelho será o centro de todas as atenções. Ele aguça a curiosidade, atiça os desejos e desvenda os mistérios...

               A sombra esquizóide de “Constância” escreveu: “Refletida no espelho não conseguia visualizar-me. Eu estava ausente. Via ali uma sombra difusa, confusa. Mas era narcisista. Contemplava uma efemeridade. Contemplava o espectro de Constância e, em seus olhos, eu via a tristeza, o vazio e o medo escondido num véu de ilusão. Bem que eu lutava e lutava... e novamente o espelho. Disfarce. Fantasia. E narcisisticamente me contemplava e contemplava Constância”. O que fez a personagem-sombra? Jogou o espelho ao chão, pisoteou-o, mas mil pedacinhos continuavam contemplando-a. A ela só restou ir dormir, porque o dia seguinte seria longo.

               Assim são as diferentes histórias que se vê por aí. Muitas delas embrenhadas em sonhos e pesadelos. Ou melhor, o sonho pode não passar de uma dolorosa similitude com o pesadelo. Paradoxos que o espelho trata de desfazer. A maioria das pessoas esquece de se olhar no espelho... E muitas nem se olham porque já não se reconhecem. Outras se miram horas e horas e contemplam uma imagem que, embora refletida, não são delas. Se é para se iludir, é melhor ouvir Bach, Chopin, Missal, Strauss ou, quiçá, sair por aí e tomar um chope no bar da esquina. Cria-se um mundo à parte e, a partir dele, vive-se uma vida de mentira. Tudo se torna uma grande mentira. E grandes mentiras com o tempo se tornam grandes verdades, embora a recíproca também possa ser verdadeira. Aí surgem as dores, os temores... Os fantasmas! “Mas isso pouco importa. Quando principia o amanhecer, que diferença faz o galo que canta?”, né, Constância, de todo jeito vamos ter de acordar mesmo!?

Roziner Guimarães

imagem copiada do "diário da minha Psiquê". 

3 comentários:

  1. Passei por aqui tantas vezes em silêncio. Não quis incomodá-la, minha poeta querida, mas senti tanta falta de seus textos dos quais sou fã incondicional. Vejo que continua mergulhada no mar interior... Mas, por favor, não me deixe náufrago sem os textos seus.

    E, se me permite, não se olhe tanto no espelho: ele, às vezes, pode sim, além de acabar com as nossas ilusões, matar nossos sonhos. E isso é muito ruim e doloroso.

    Abraço gostoso!

    Augusto César Neto

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  2. Aguçando a curiosodade,atiçando os desejos e desvendando os mistérios. Quer motivação maior pra transpor o espelho. Foi o que fiz...Assim como Alice (a do país das maravilhas),fiz passeios fantásticos, remexi sentimentos, percorri caminhos desconhecidos, construi outros caminhos e sai renovada dessa jornada. Obrigada Roziner por mostrar que a fuga é necessária e que é possivel enxergar além do espelho.

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  3. Sônia, eu é que agradeço a leitura que vc tem feito dos meus textos... Com os seus comentários, eu tenho constatado que estou no caminho "certo"... Só estou me desvendando. A minha "fuga" tem sido emergencial.

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