segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Desfazendo equívocos: Me., Ms ou Msc?


Recentemente, fui criticada por usar "Me" para abreviar "mestre". Então, como professora de Língua Portuguesa, além de me sentir "ultrajada" com a crítica, senti-me no dever de esclarecer a questão.


Segundo a ABL (Associação Brasileira de Letras), a abreviatura para Mestre é "Me"; para Mestra é "Ma"

Então, por que não uso "Ma"?

Simples! A Língua de um povo é sua maior forma de expressão e, como todos nós, brasileiros, sabemos o Brasil tem uma História Cultural machista e preconceituosa. Evidente, pois, que nosso idioma irá expressar essa História.

Em sendo assim, por que eu iria usar "Ma" em lugar de Me"?

Quem tem mais "valor" (leia-se "valorizado") o "poeta" ou a "poetisa"? Percebe como "poetisa" sou "menor"? O mesmo ocorre com "Ma" associando-se a "má". Para evitar essa "associação depreciativa" contra a mulher, uso "Me".

Portanto, ao assinar "Profa. Me." e ao me intitular "poeta", além de mostrar que conheço meu idioma e seus meandros, mostro que valorizo o "estudo" e o "trabalho" da mulher brasileira. E mais: A Língua Materna me autoriza a escrever assim, pois os substantivos "mestre" e "poeta", e alguns outros, podem ser usados como comum de dois gêneros.
 
É isso!
 
Profa. Me. (poeta) Roziner Guimarães

domingo, 12 de setembro de 2010

Uma voz interior indaga...





               O silêncio se transforma em balbúrdia dentro de mim... Fico em festa... Danço! Choro! Rio! Entro em transe e me desafio a escalar o túnel do tempo... Lá vou eu cheia de tudo e totalmente vazia de mim! Desatino-me a percorrer longos caminhos que, sei, só tem idas... Mas, ainda assim, arremesso-me de volta a ele e, num frenesi, tento descobrir o que fiz comigo... Muitas perguntas sem resposta! Indagações insondáveis... Misto de dor e angústia! Por que me deixei perdida no eco de minha própria voz?
               Recuo e tento encontrar minha menina-criança. Pouco me recordo de minha infância! Em que idade somos crianças? Tudo é nebuloso! Parece que já nasci adolescente... Adulta! E o silêncio vai ficando constrangedor. Mais dor que constrangimento. Gosto de brincar com as palavras, talvez seja por isso que eu veja tantas possibilidades nelas. Mas elas se zombam de mim e nascem meio esfareladas... Não sei se traduzem realmente o que tento dizer. Mas continuo a travessia. Vejo-me num casebre de beira de estrada... Eu brincando de casinha... mesa redonda, toalha redonda... vizinhos fazendo paçoca num pilão. Uma delícia! Estrada de areia branquinha... Caminho  rumo à escola rural. Medo do Zeca, ele parecia o lobo mau  da história dos três porquinhos... Eu já tinha mente muito fértil! Agora estou do lado de dentro da escola levando palmatória por não ter aprendido a tabuada... Tentei, mas essa história de números ainda hoje me incomoda. Saio e vou cantar o Hino ao Soldado! Patriotismo criado na escola. Nada hoje que me  instigue a ser patriota. Hino à Bandeira... À Pátria! Que Pátria? Sinto-me despatriada! 
                Neste momento, chupo com gula os abacaxis escondidos e descascados no meio do mato pelo meu pai. Doce sabor! Hora de catar galinhos na beira da estrada! "Eu perdi o meu galinho ô lá lá... Ele é branco e amarelinho"...  Hora de dormir... Rede armada em cima da cama do papai e da mamãe. Chorei muito e me colocaram para dormir lá. Melhor do que dormir com tia rabuzenta! Acordo cedo... Carpir o quintal para minha avó.
               Transporto-me na velocidade do vento... Estou em outra fazenda. Vó... Esqueci-me o nome dela. Só sei que a chamávamos de vó... Maracujás enormes na porta da cozinha. Cafezinho ralo que ela fazia para nós. Estávamos ali para buscar leite. De volta,  encontrei uma cadela rabugenta. Tomei-a nos braços e a levei para casa. Batizei-a de Rebeca. Não sei que fim levou Rebeca. Gostava dela. Só não me recordo se ela gostava de mim.
               Escola pertinho de casa... Só atravessar a estrada. Mais palmatória. Minha história com os números é antiga e dolorosa. Isso talvez explique os trinta anos que vivi tentando compreender o incompreensível para uma criança que nasceu mulher. Sei lá se explica. Só conjecturas. Baile, catiras... Festa! Comemorava-se o quê? Dancei! Estava feliz! Acho que o nome dele era Moacir. Todas as meninas eram loucas por ele. Eu também? Sinceramente não me lembro. Viagem de volta para casa na carroceria de uma picape... Acho que era. Jogávamos umas frutas enormes, das quais não me recordo o nome (seria coité?), na estrada, quando passava outro carro. Brincadeira de criança. Ríamos muito. Penso que foi nessa festa que quebrei, desloquei meu pulso. Dores horríveis quando ia varrer a casa de chão batido  para a mamãe. 
                Coisa estranha! Estou envolta numa névoa densa. O primeiro namorado partiu (adolescência ou infância? difícil definir). Dele, eu me recordo o nome, mas nem vale a pena dizer.  Não me enxergo... Só o que ouço é o meu choro. Mas choro de criança (ou seria adolescente) passa logo. Passou.
                Também me recordo de ir para a casa de uns amigos nordestinos... Sentar-me na rede e ficar ouvindo música numa radiola barulhenta. Hoje sei o som era brega. Mas a memória é gostosa! A dona fumava cachimbo... Cusparada para todo lado. E eu hoje toda nojenta.   
                Agora uma lembrança que traz muita saudade: papai com um carrinho de mão cheiinho de laranjas, sentado debaixo de uma frondosa árvore... Ele as descascava para mim e para minhas irmãs... As tampinhas de funil que nunca me saíram da memória.
                Mudei-me para a cidade. Novos amigos. Brincar de pique esconde; banco imobiliário, pedrinhas, varetas, assitir ao Vila Sésamo e à Selva de Pedra. Quantos anos eu tinha? Nove, dez? Não sei mesmo. Eu era pajem de duas crianças. Que horror! Acho que foi aí que nasceu meu des-gosto pelas crianças. Minha falta de paciência com elas. Culpa dos pais delas. Não delas. Ah, também fui empregada doméstica... encerava a casa de duas senhoras ricas... E tinha de passar enceradeira até o piso ficar um espelho. Ufa! Aquilo era um terror. Depois passei a vender bolo nas ruas. Vendia tudo rapidinho. Até minha mãe descobrir que eu vendia todo o bolo num bordel da Rua 25... Adivinha?! Nunca mais vendi bolo!
                 Naquela época, eu estudava no Colégio Mascarenhas... Lá tinha horta. É só o que me recordo. Antes de chegar ao colégio, comprava, por 0,10 (dez centavos) picolé redondo de coco queimado. Hummm! Aquilo é que era picolé! Redondo, pasmem! Nunca mais vi ou chupei picolé redondo e nem mais gostoso do que aquele.
                Meu pai era dentista prático. Como ele tinha clientes! E como o coitado sofria tendo de se esconder da polícia. Naquela época era como hoje: quem trabalha honestamente e bem vai preso. Os falsos médico ficam aí medicando... Os péssimos médicos continuam clinicando, apesar das reclamações e dos diferentes erros cometidos. Meu pai, ao contrário, não tinha um diploma, mas era (e posso provar) um excelente dentista que honrava sua profissão, a qual tivera de aprender se quisesse casar com minha mãe, foi o que meu avô estipulou. Ele a aprendeu e a honrou até quando, em 2005, por motivos de saúde, teve de deixar a profissão.
                Mas, continuando a retrospectiva em busca do meu passado, mudei-me novamente para uma cidadezinha distante 70k de onde eu morava. Novos amigos, novos rumos... Cidade de interior. Peteca, bola de gude, amarelinha, queimada... Circo na cidade! Palhaços e palhaçadas com as amigas! Cigarro fumado às escondidas. Saboroso como a adolescência. Na escola, estava sempre entre os melhores... As maiores notas! Competições! Pulo à distância! Salto com vara. Handebol. Arremesso de dardo! Idas e vindas ao Clube. Sol. Pele morena. Namorados.
                Casamento. Filhos. Inocência. Amor. Adolescência. Paixão. Insegurança. Medo. Indecisões. Preocupações. Traições. Choro. Mais insegurança, mais medo, mais desquilíbrio... Como malabarista tentava segurar uma vida dividida. Academia. Aeróbica. Jogos. Flertes. Sono vazio. Vida Oca. Vieram a canastra, o buraco... As compras sem necessidade... Ou melhor, pela simples necessidade de gastar dinheiro, de comprar, suprindo o insuprimível!
                Nova mudança de cidade. Adulta. Totalmente insegura. Medrosa. Confusa. Medíocre. Volta aos estudos. Estuda. Escreve. Estuda! Transforma-se! Não há mais circo... Não há mais clube! Não há mais canastra! Há buracos... Vida profissional! Dona de casa! Estudante! Mãe! Amante!
                As horas esgotando o tempo no conta gotas do vai e vem... Do faz não faz. Do sente não sente. Das noites em claro. Dos dias vazios. E eu ali paradoxalmente entregue a um eterno solilóquio. Nem chorar, chorava. Nem cantar, cantava. Rezava! Medo... Insegurança. Dores. Pânico. Conselhos. Críticas. Fácil  falar, difícil compreender. Bebida! Noites insones. Bares. Amigos. Uma alegria malsã. Mas eu teimava... E eu até me divertia.
               Mudança de casa. Estado civil. Pensamentos mil. Filhos... maior preocupação! Medo persistente. Doença já era consequência. Dores difusas. Confusa... Nenhum diagnóstico. Paranóia. Pânico. O corpo toma forma de viagem, mas estaciona-se no inchaço... Recesso para compreender onde dói... Por que dói. Inimiga do querer... Do poder... Do ser! Agressão... Solidão! Vai entender!
               E a voz continua indagando... Onde? Quando? Por quê? Até quando? 
               Algoz ou vítima de mim? 

Roziner Guimarães