quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um dia na vida da gente...

              

               Um dia, encontrei-me com Schopenhauer, às escuras, num beco estranho do meu também estranho destino. E, no meu racionalismo, quase histórico, fiquei ensimesmada com sua intransigência dialética. Eu também buscava a minha cura. A arte representa apenas um paliativo para o sofrimento humano, alguém já dissera isso. E eu me transformei em artista da palavra. Entretanto, não sabia como traduzir em palavras o meu desejo. Schopenhauer não me falou sobre isso, mas eu desconfiei de que ele me entendia muito bem. Eu, assim como ele, via o mundo como representação. E eu estava ali re-presentando meu papel. Meus protótipos nada esclarecidos. Yung talvez entendesse melhor esse aspecto. Mas eu estava frente a frente era com Arthur Schopenhauer. E minha consciência subjetiva não se coadunava com o mundo de hipocrisia em que eu vivia. Ah, se minha vontade fosse suficiente para resolver os conflitos. Não era. Não é. Pelo contrário, ela é a causa maior da minha dor e o meu prazer se torna efêmero... Momentâneo... Fugaz! E o desejo insiste! Persiste! Resiste! 
               Olhei para ele e fiquei racionalizando minha vontade... Não, ele tinha pouco para me oferecer. Lembrei-me de Platão. Ele também falava em dois mundos,  quase, paralelos: o mundo das sombras e o das ideias. E eu estava na sombra, mas almejando novas experiências... E a sombra assombrava as paredes da caverna em que me meti. O emblema "viver é sofrer" é pessimista demais para mim.
               Fui percorrer outros caminhos... E me deparei com Nietzsche. Assim como ele, penso que nasci póstumo, para os leitores do porvir. Assim como ele, procuro arrancar e rasgar as máscaras. E elas estão em todas as caras. Inclusive na minha. Conheço minhas virtudes... Minha vontade... Meu desejo! Sou única no meu existir e no meu sentir. E me orgulho disso. Dessa minha forma singular de olhar para as coisas e vê-las embalsamadas em tantos estratagemas. Tenho consciência da minha efemeridade. Mas também tenho consciência da transcendentalidade da minha obra. Não escrevo à-toa. Às vezes sou tida como visionária... A loucura não é minha, já escreveu Flávio Ferreria, grande teatrólogo Matogrossense, em "O louco nosso de cada dia". Sigo digladiando com minha, nossa, loucura.Tudo é um caos. Por isso, escrevo. Deixo as palavras traduzirem meu desassossego e meu devaneio, meu sonho, meu desejo e minha insatisfação. Já disse e repito: não escrevo para leigos. Embora eu seja leiga em tantas palavras.Mas isso é coisa minha. "Só os loucos sabem". Portanto, faço minhas as palavras do grande filósofo alemão: "Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia." Eu me dou muito bem comigo e com minha loucura. Invejo-me! E isso causa espanto e confusão na mente das pessoas. Nem ligo. "Meu reino não é deste mundo"
                Voltei os olhos para o lado e visualizei Heidegger. Percebi que tudo é uma questão de perspectiva. Com ele entendi que cabe apenas a mim compreender este ser singular que sou. Enchi-me de coragem e me tornei Dasein. Contemplei-me e, nessa contemplação, descobri que, apesar dos rótulos que me deram e darão, só eu sei exatamente o que sou e, portanto, só devo ser abordada a partir do modo adequado de me abordar. Se não for assim, ficam apenas os rótulos... Eu continuarei sendo o que sou, independente do que os outros digam.
               E, consciente do meu singular papel neste mundo, virei a cabeça para o outro lado e me deparei com Kierkegaard. A minha identidade tem uma causa. E ela é justa. Sigo, pois, meu caminho. A história dirá quem fui. 

(trecho do meu livro: "RG: uma odisséia dos avessos")

Roziner Guimarães   
                
                  

Um comentário:

  1. Vamos lançar esse livro quando? parabéns, moça escritora.

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