quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Poeta em horas impróprias (?)




Creio que a poesia nasceu comigo... (Ou fui eu que nasci com a poesia?!). Sei lá. Paro agora para pensar sobre isso... (Ultimamente tenho parado para pensar em tantas coisas!). Minha mãe passou cinco anos casada e, só depois de vários tratamentos para estancar uma hemorragia, eu nasci. Sou fruto de um sangue estancado. Talvez isso tenha me feito acreditar que o mundo era redondo e eu o centro dele, afinal fui gerada a partir de um grande amor. E foi assim que sempre vivi. Acreditando que eu tudo posso e que o mundo é maravilhoso. Fiz da minha vida um enorme palco onde eu sempre desempenho o papel de personagem principal. Das palavras arranco o meu sossego e desassossego. Lembro-me do orgulho que senti quando aprendi o alfabeto... Sabia-o de frente para trás e de trás para frente. Eu não o tinha decorado. Pelo contrário, o alfabeto se introjetara em mim de tal forma que eu nunca mais viveria sem ele. Meu pai sonhou em ver sua filha professora. E lá fui eu: realizando o sonho dele e o meu. Mas eu deveria ter escutado minha mãe. Hoje eu estaria alinhavando minhas mágoas e medos e costurando com linhas menos coloridas algumas passagens da minha vida. Mas isso é uma outra história...    

Descobri que a poesia meio que me alimenta e me alucina. Sem ela talvez eu fosse apenas metade do que sou. Embora meio desajeitada com a “vida”, sou íntima das palavras. Elas me significam. Sem elas, talvez eu fosse apenas espectro de mim. Não sou de falar... Mas as palavras nem sempre precisam ser ditas... Podem ser escritas... Lidas. No meio de tantas letras e sinais, encontro a articulação exata para identificar minha existência. Talvez eu seja mesmo bruxa... Fada? Não. Eu sou apenas poeta. E ser poeta é ser mais que o barulho da chuva no telhado... Ser poeta é significar os vãos da vida. Não. Ser poeta é ser. É materializar o “imaterializável”, inaugurando no ser o desejo de apenas ser... Um ser que é, porque é.  Nasci personagem de mim. E fui levando a vida acreditando nas crenças que me ensinaram. Aprendi que se deve ser educado. Não roubar. Não matar. Respeitar o outro. Ser leal. Honesto. Trabalhador. Mas me esqueceram de dizer que essas crenças me levariam a um nostálgico sentimento de incredulidade ao perceber que lá fora o “real” é fictício. É preciso ser polido e político. Não sou. Meu polimento não foi feito com ouro de tolo... Aí está a diferença. Agora venho descobrindo que a poesia às vezes nasce na hora imprópria... E culpa nenhuma tenho nisso. Foi a poesia que me encontrou e não eu a ela.

Vasculhando meus avessos, dei de cara com rimas desconexas. Sonetos ultrapassados. Uma métrica dissonante e difusa. E eu ali feito bobo da corte olhando e não conseguindo achar nenhuma graça na poesia. Para aqueles que acreditam que escrevo nas horas impróprias, digo: isso pouco me importa. Importa que não perdi a vontade de escrever... Tenho texto pronto e não posso publicá-lo agora. Tudo tem seu tempo. Talvez por isto eu esteja vasculhando os avessos de mim: Procuro dar forma àquilo em que já não acredito mais. Talvez seja por isso também que a poesia se esgueira para a planilha da prosa. Uma prosa prosaica desandada e quase sem nexo para alguns. É a forma de se me significar. Em meio à catástrofe limítrofe só encontro os assombros de um riso meio rouco e sinistro... E dou risadas também! Em tempo de enchentes, se tem impermeabilidade, a ironia me atravessa e ridicularizo o riso dos canhotos... Se um ou outro leitor não entender a narrativa... Culpa nenhuma tenho nisso, sou apenas poeta. Não escrevo para leigos. Professora já fui. Agora é um novo tempo. Brinco de pique- esconde e atravesso o melhor de mim. È assim que a poesia se instala em mim. O resto é apenas resto.

Roziner Guimarães

7 comentários:

  1. Boa noite, minha poeta querida!

    Fiquei pensando: Será que existe hora imprópria para a poesia? Não sou expert no assunto, mas acredito que a qualquer hora, momento, podemos criar uma poesia, pois o que importa é o que nos vai na alma. Sua alma, apesar de perceber uma certa angústia (ou seria desencanto?)na forma como vc tem escrito ultimamente, é poética. Em sendo assim, vc não precisa de um momento especial para escrever. Todo momento é momento para se "espalhar nas palavras". E como elas a espelham bem!

    Fiquei admirando sua foto e imaginando: "Essa mulher tem alma de criança" e criança, minha amada poeta, encontra sempre motivo para a poesia. Então, vc não é poeta em horas impróprias! Só o poeta é capaz de "jogar o lixo" fora e "brincar com o latão". O que vale é o sorriso, a brincadeira, aí a poesia é instantânea. O poeta valoriza até o "lixo"! Isso é que importa! "O resto é apenas resto", como vc mesma escreveu.

    Beijo gostoso!

    Augusto César

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  2. Gostei do texto. Vc se revela uma pessoa introspectiva e que sabe lidar com as palavras! Também gostaria muito de escrever assim! Parabéns!

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  3. Cara poeta, existe hora para a poesia? Nesse texto (ou em todos os que escreve?!) a poesia está entranhada na prosa! Parabéns pelo belo texto!

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  4. Vim na esperança de encontrar um novo texto! Como vc não o publicou, aproveitei pra reler todos os outros anteriores. E quanto mais eu os leio, mais vontade tenho de conhecer vc.

    Lindo e poético final de semana pra vc, minha amada poeta!

    Beijo gostoso!

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  5. Que seria de nós, poetas, se não existisse a palavra? É ela que nos transporta para a poesia, mesmo em prosa "prosaica e desandada". Adorei a reflexão! Parabéns!

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  6. Seu blog está sensacional. Adorei os textos. Ser professor hoje é de arrepiar. Entendo vc estar deixando a profissão. Parabéns pela decisão e pelas reflexões que tem feito nos vários textos.

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  7. Oi,

    Quando vc diz: "Descobri que a poesia meio que me alimenta e me alucina. Sem ela talvez eu fosse apenas metade do que sou.", é como se vc estivesse falando de mim. Eu tb não sei viver sem poesia.

    abraços!

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