quarta-feira, 26 de maio de 2010

O aluno-freguês

   ... Pois é, Mafalda, se você ficou abismada, imagina a cara do professor ao se deparar, dia após dia, com o aluno-freguês!!! O professor explica, mostra, pede para escrever, reescrever, leva-o a pesquisar... Desenha o conteúdo no quadro e o aluno-freguês continua "na dele" acreditando que pode comprar os conteúdos que são ministrados. A escola, para esse tipo de aluno, é uma loja onde se vendem conhecimentos. Lá ele chega, às vezes paga, noutras vezes negocia prazos e preços, ou, na maioria das vezes, fica inadimplente e, ainda assim, acha-se no direito de tirar uma boa nota. Para ele, nota é sinônimo de aprendizagem. E o professor, com cara de otário, ainda tenta explicar novamente o conteúdo, fala da necessidade de se estudar e blá blá blá... E o aluno freguês se dispersa, olha para os lados, pega o celular, joga uma bolinha de papel no colega e, como se nada tivesse acontecendo, sai da sala e só volta "na hora da chamada". Presença e nota é só isso que importa! Mas o professor “antenado” (lê-se “compromissado”) percebe a astúcia do aluno-freguês e não “cai na dele”. “Dá-lhe” falta! A nota é com o aluno...

      Ele entra, olha (e não vê) ao redor, escolhe a "mercadoria" que quer e fica por ali tentando "negociar" o preço. Alguns ficam vagando de "loja em loja" até encontrar uma que lhe entregue a "mercadoria" em casa por um "preço módico". Outros, porque o pai ou a mãe obriga, permanecem anos na mesma "loja" tentando "negociar" um diploma. E o professor, "vendedor" dessa "loja", fica "negociando" com o aluno-freguês na tentativa de convencê-lo a comprar a "mercadoria" certa, mas alguns insistem e, por mais que o vendedor argumente, o aluno-freguês não entende... O "vendedor" fica apenas na tentativa de fazê-lo compreender o "incompreensível"! Isso bem poderia explicar a síndrome de bournout! Se não explica, pode justificar a angústia e o desejo desse professor em abandonar a profissão. Abandonar a sala de aula!

      Isso me faz lembrar a história do "Professor Burrim e as Quatro Calamidades". Se alguns alunos teimam em ver toda e qualquer "escola" como uma fábrica de diplomas, talvez fosse melhor mesmo fazer como o professor burrim: ir vender picolé, porque é constrangedor ter de ouvir o aluno dizer: "Como você pode me dar essa nota?" Como se dissesse: "Estou pagando!" Eu, em minha angustiada indiferença, tenho vontade de responder: "O preço que você paga não é o preço que eu cobro!", mas, como ele não iria entender ou entenderia de forma equivocada, limito-me a responder: "Eu não dei nota para você... ". Estranho como o discurso muda quando ele tira boa nota: "Olha a nota que eu tirei". Fazer o quê? Assim caminha a "umanidade"... A passos de hiena!!!

  ... Sou de uma época (e não sou tão velha assim) em que a figura do professor era respeitada. E se respeitava o professor não "por educação", embora também o fosse, mas o respeitava, sobretudo, por compreender a importância dele na sociedade. Mas aquele era outro tempo! Era outro o cenário! Eram outras as expectativas! Eram outros os modelos! Eram outros os ídolos... É, eram outros...

      Hoje, tudo mudou!!! O professor virou palhaço... É a forma que a "escola-loja" encontrou para chamar os alunos! "A aula daquele professor é show!" dizem os alunos-fregueses. Coitado do verdadeiro palhaço, aquele que trabalhava em um circo (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: "Recinto circular e coberto para espectáculos! equestres e acrobáticos") e divertia crianças e adultos. Mas aquele era um outro tempo! "Professor-Palhaço" é uma outra história! É aquele professor que, por depender da sua profissão para sobreviver, muitas vezes aceita fazer papel de "palhaço". Coitado, porque ele é apenas um sobrevivente. Assim, "aula-show" é a aula "de faz de conta" e "professor-palhaço" é "aquele que faz de conta que ministra aula". Não estou falando daquela aula dinâmica, descontraída, em que o professor leva para a sala de aula textos (ou outros materiais didáticos), que chamem a atenção dos alunos e que tornem a aula realmente um "show". O "professor-palhaço" de que falo é o "professor bonzinho": "finge que ensina" e os "alunos-fregueses" "fingem que aprende". Essa aula é "show", porque, no final, a nota é que vale mesmo... Talvez por isso chame "nota" (dinheiro).

      Entretanto, tenho percebido que, para alguns professores, ser um “professor-palhaço", vale mesmo uma "nota": a do desespero, a da decepção, a do orgulho ferido, a da falta de esperança, a da desistência da profissão! Para outros, ser "professor-palhaço" também vale uma "nota preta", pois é a única forma que encontraram para permanecer empregados! Para alguns outros (poucos, felizmente!), ser "professor-palhaço" é receber a "nota" (mísera, por sinal) no final do mês e pronto: "vou lá, dou meu show, volto tranquilo para casa, os alunos também voltam sorrindo e eu não me estresso. Por que você não faz o mesmo?" É... Por que eu não faço o mesmo??? Eu, talvez (perceba já a minha dúvida - já não tenho tanta certeza assim) eu não faça o mesmo, porque ainda teimo em acreditar que "a educação pode mudar este país". Começo a desconfiar que essa é apenas mais uma frase feita. Se desconfio de vez, talvez (olha a dúvida de novo), eu me torne uma "professora-palhaça" e vá animar festas infantis... Ou, quem sabe, vá vender meus livros na praia... Fazer bonecas de trapo e vender na feira. Tenho pensado seriamente nisso!

      Devo dizer, embora possa parecer paradoxal, ainda permanece em mim, bem escondidinho, uma vaga esperança... Aí me lembro mais uma vez (já tive essa esperança-lembrança antes e ela resultou infrutífera) das palavras de Ana Carolina recitando o texto de Elisa Lucinda: "Só de sacanagem...". Talvez (a dúvida persiste), eu ainda deva lutar mais um pouquinho. Mas, confesso: "Meu coração está aos pulos!" E fico, num monólogo, fazendo-me as mesmas perguntas que fizera Lucinda: "Quantas vezes minha esperança será posta à prova? [...] Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?" Ao contrário dela, não sei se "minha esperança é imortal!" Quem viver, verá!


Nota: “Escola loja” é aquela do PP: pagou, passou! Ainda bem que essas “escolas” são poucas. Algumas já se conscientizaram e exibem um outro lema: o “EEEAP: Estudou, estudou, estudou, aí passou!” É assim que tem de ser!
Roziner Guimarães

3 comentários:

  1. O texto tem a fluidez de exposição de um promotor de justiça que quer atingir o entendimento de todos; sem se atropelar em demonstrar os fatos. Surpreende pela rica exposição de imagens simbolos que põe em prova o código de conduta de quem lê. É inequívoco em atestar, nas entrelinhas, as próprias experiências BEM VIVIDAS da escritora. E nobre ao se manter imparcial e impessoal ao expor tão absurda realidade nas escolas, faculdades e universidades. Sugiro que o texto seja enviado por e-mail; como "Opinião do Leitor"; aos principais jornais de grande circulação. PARABÉNS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Carlos Renato P. Costa_*888Khan7

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  2. Encaminhei para meus amigos.. "Só de sacanagem" rsrs vou levar para meus alunos lerem.. "Só de Sacanagem" vou ficar em silêncio, pois nada mais há a dizer.. Mafalda que fale por nós..educadores em nossa angústia de querer fazer que galinhas virem águias.

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  3. Verônica Rodrigues20 de maio de 2012 às 16:15

    Parabéns! Nós, professores, agradecemos por suas palavras! E a Mafalda, claro, musa inspiradora de muito de nós.

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